UNESP 2003 Português - Questões
Abrir Opções Avançadas
A faca desce macia, cortando sem esforço o pedaço de picanha. Dourada e crocante nas bordas, tenra e úmida no centro. Você põe a carne na boca e mastiga devagar sentindo o tempero, a maciez, a temperatura. O sumo que escorre dela enche a boca e, com ele, o sabor incomparável. Carne é bom.
Mas que tal assistir à mesma cena sob outra perspectiva? No prato jaz um pedaço de músculo, amputado da região pélvica de um animal bem maior que você. Com a faca, você serra os feixes musculares. A seguir, coloca o tecido morto na boca e começa a dilacerá-lo com os dentes. As fibras musculares, células compridas - de até 4 centímetros - e resistentes, são picadas em pedaços. Na sua boca, a água (que ocupa até 75% da célula) se espalha, carregando organelas celulares e todas as vitaminas, os minerais e a abundante gordura que tornavam o músculo capaz de realizar suas funções, inclusive a de se contrair. Sim, meu caro, por mais que você odeie pensar que a comida no seu prato tenha sido um animal um dia, você está comendo um cadáver.
(Revista Superinteressante, abril de 2002.)
No texto, há duas versões que tratam do uso da carne bovina como alimento humano.
A) A segunda versão apresenta o consumo de carne de uma maneira depreciativa. Transcreva duas palavras ou expressões responsáveis por essa visão.
B) Pode-se considerar uma dessas versões como verdadeira e a outra falsa? Por quê?
A faca desce macia, cortando sem esforço o pedaço de picanha. Dourada e crocante nas bordas, tenra e úmida no centro. Você põe a carne na boca e mastiga devagar sentindo o tempero, a maciez, a temperatura. O sumo que escorre dela enche a boca e, com ele, o sabor incomparável. Carne é bom.
Mas que tal assistir à mesma cena sob outra perspectiva? No prato jaz um pedaço de músculo, amputado da região pélvica de um animal bem maior que você. Com a faca, você serra os feixes musculares. A seguir, coloca o tecido morto na boca e começa a dilacerá-lo com os dentes. As fibras musculares, células compridas - de até 4 centímetros - e resistentes, são picadas em pedaços. Na sua boca, a água (que ocupa até 75% da célula) se espalha, carregando organelas celulares e todas as vitaminas, os minerais e a abundante gordura que tornavam o músculo capaz de realizar suas funções, inclusive a de se contrair. Sim, meu caro, por mais que você odeie pensar que a comida no seu prato tenha sido um animal um dia, você está comendo um cadáver.
(Revista Superinteressante, abril de 2002.)
Na construção de um texto, é quase sempre necessário retomar aquilo que se disse antes e, geralmente, com outras palavras.
a) Transcreva uma palavra que realiza essa função em relação à palavra picanha, no primeiro parágrafo do texto.
b) Transcreva duas palavras ou expressões que realizam essa função em relação à expressão pedaço de músculo, no segundo parágrafo.
A questão toma por base um fragmento da crônica Conversa de Bastidores, do ficcionista brasileiro Graciliano Ramos (1892-1953), e um trecho da narrativa O Burrinho Pedrês, do ficcionista brasileiro João Guimarães Rosa (1908-1967).
Conversa de Bastidores
[...]
Em fim de 1944, Ildefonso Falcão, aqui de passagem, apresentou-me J. Guimarães Rosa, secretário de embaixada, recém-chegado da Europa.
– O senhor figurou num júri que julgou um livro meu em 1938.
– Como era o seu pseudônimo?
– Viator.
– Ah! O senhor é o médico mineiro que andei procurando.
Ildefonso Falcão ignorava que Rosa fosse médico, mineiro e literato. Fiz camaradagem rápida com o secretário de embaixada.
– Sabe que votei contra o seu livro?
– Sei, respondeu-me sem nenhum ressentimento.
Achando-me diante de uma inteligência livre de mesquinhez, estendi-me sobre os defeitos que guardara na memória. Rosa concordou comigo. Havia suprimido os contos mais fracos. E emendara os restantes, vagaroso, alheio aos futuros leitores e à crítica. [...]
Vejo agora, relendo Sagarana (Editora Universal — Rio — 1946), que o volume de quinhentas páginas emagreceu bastante e muita consistência ganhou em longa e paciente depuração. Eliminaram-se três histórias, capinaram-se diversas coisas nocivas. As partes boas se aperfeiçoaram: O Burrinho Pedrês, A Volta do Marido Pródigo, Duelo, Corpo Fechado, sobretudo Hora e Vez de Augusto Matraga, que me faz desejar ver Rosa dedicar-se ao romance. Achariam aí campo mais vasto as suas admiráveis qualidades: a vigilância na observação, que o leva a não desprezar minúcias na aparência insignificante, uma honestidade quase mórbida ao reproduzir os fatos. Já em 1938 eu havia atentado nesse rigor, indicara a Prudente de Morais numerosos versos para efeito onomatopaico intercalados na prosa. [...]
A arte de Rosa é terrivelmente difícil. Esse antimodernista repele o improviso. Com imenso esforço escolhe palavras simples e nos dá impressão de vida numa nesga de caatinga, num gesto de caboclo, uma conversa cheia de provérbios matutos. O seu diálogo é rebuscadamente natural: desdenha o recurso ingênuo de cortar ss, ll e rr finais, deturpar flexões, e aproximar-se, tanto quanto possível, da língua do interior.
Devo acrescentar que Rosa é um animalista notável: fervilham bichos no livro, não convenções de apólogo, mas irracionais, direitos exibidos com peladuras, esparavões e os necessários movimentos de orelha e de rabos. Talvez o hábito de examinar essas criaturas haja aconselhado o meu amigo a trabalhar com lentidão bovina.
Certamente ele fará um romance, romance que não lerei, pois, se for começado agora, estará pronto em 1956, quando os meus ossos começarem a esfarelar-se.
(Graciliano Ramos, Conversa de bastidores. In: Linhas tortas)
O Burrinho Pedrês
[...]
Nenhum perigo, por ora, com os dois lados da estrada tapados pelas cercas. Mas o gado gordo, na marcha contraída, se desordena em turbulências. Ainda não abaixaram as cabeças, e o trote é duro, sob vez de aguilhoadas e gritos.
– Mais depressa, é para esmoer?! — ralha o Major. — Boiada boa!...
Galhudos, gaiolos, estrelos, espácios, combucos, cubetos, lobunos, lompardos, caldeiros, cambraias, chamurros, churriados, corombos, cornetos, bocalvos, borralhos, chumbados, chitados, vareiros, silveiros. E os tocos da testa do mocho macheado, e as armas antigas do boi cornalão.
– P’ra trás, boi-vaca!
– Repele Juca... Viu a brabeza dos olhos? Vai com sangue no cangote...
– Só ruindade e mais ruindade, de em-desde o redemunho da testa até na volta da pá! Este eu não vou perder de olho, que ele é boi espirrador.
Apuram o passo, por entre campinas ricas, onde pastam ou ruminam outros mil e mais bois. Mas os vaqueiros não esmorecem nos eias e cantigas, porque a boiada ainda tem passagens inquietantes: alarga-se e recomprime-se, sem motivo, e mesmo dentro da multidão movediça há giros estranhos, que não os deslocamentos normais do gado em marcha — quando sempre alguns disputam a colocação na vanguarda, outros procuram o centro, e muitos se deixam levar, empurrados, sobrenadando quase, com os mais fracos rolando para os lados e os mais pesados tardando para trás, no coice da procissão.
– Eh, boi lá!... Eh-ê-ê-eh, boi!... Tou! Tou! Tou...
As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos de lá do sertão...
“Um boi preto, um boi pintado,
cada um tem sua cor.
Cada coração um jeito
de mostrar o seu amor.”
Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando... Dança doido, dá de duro, dá de dentro, dá direito... Vai, vem, volta, vem na vara, vai não volta, vai varando.
“Todo passarinh’ do mato
tem seu pio diferente.
Cantiga de amor doído
não carece ter rompante...”.
Pouco a pouco, porém, os rostos se desempanam e os homens tomam gesto de repouso nas selas, satisfeitos. Que de trinta, trezentos ou três mil, só está quase pronta a boiada quando as alimárias se aglutinam em bicho inteiro — centopeia —, mesmo prestes assim para surpresas más.
(João Guimarães Rosa, b. In: Sagarana)
Muitas palavras podem atuar nas frases como representantes de diferentes classes e exercer, portanto, diferentes funções sintáticas. Tendo em mente esta informação,
a) Determine, com base em características formais da frase em que se encontra, a classe de palavras em que se enquadra a palavra “eias”, empregada por Guimarães Rosa no sétimo parágrafo do trecho citado;
b) Considerando que, no quarto período do antepenúltimo parágrafo de seu texto, Graciliano Ramos representou três palavras visualmente por meio das letras dobradas rr, ll e ss, reescreva esse período, substituindo tais letras dobradas pelas palavras correspondentes.
A questão toma por base o poema Soneto, do poeta romântico brasileiro José Bonifácio, o Moço (1827-1886), e o poema Visita à Casa Paterna, do poeta parnasiano brasileiro Luís Guimarães Júnior (1845-1898).
Soneto
Deserta a casa está... Entrei chorando,
De quarto em quarto, em busca de ilusões!
Por toda a parte as pálidas visões!
Por toda a parte as lágrimas falando!
Vejo meu pai na sala, caminhando,
Da luz da tarde aos tépidos clarões,
De minha mãe escuto as orações
Na alcova, aonde ajoelhei rezando.
Brincam minhas irmãs (doce lembrança!.),
Na sala de jantar... Ai! mocidade,
És tão veloz, e o tempo não descansa!
Oh! sonhos, sonhos meus de claridade!
Como é tardia a última esperança!.
Meu Deus, como é tamanha esta saudade!.
(José Bonifácio, o Moço. Poesias. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1962)
Visita à Casa Paterna
Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo:
Entrei. Um Gênio carinhoso e amigo,
O fantasma, talvez, do amor materno,
Tomou-me as mãos, — olhou-me, grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.
Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha mãe... O pranto
Jorrou-me em ondas... Resistir quem há-de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.
(Luís Guimarães Junior, Sonetos e Rimas)
Em nota de rodapé ao Soneto de José Bonifácio, o Moço, os organizadores da edição mencionada, Alfredo Bosi e Nilo Scalzo, fazem o seguinte comentário: “Talvez tenha-se inspirado neste soneto o parnasiano Luís Guimarães Jr., ao compor o famoso “Visita à casa paterna”. Releia os poemas atentamente e, em seguida,
a) Enuncie o tema comum aos dois textos;
b) Indique dois aspectos da forma poemática (versificação, rimas, estrofes) em que haja identidade entre os dois poemas.
A questão toma por base o poema Soneto, do poeta romântico brasileiro José Bonifácio, o Moço (1827-1886), e o poema Visita à Casa Paterna, do poeta parnasiano brasileiro Luís Guimarães Júnior (1845-1898).
Soneto
Deserta a casa está... Entrei chorando,
De quarto em quarto, em busca de ilusões!
Por toda a parte as pálidas visões!
Por toda a parte as lágrimas falando!
Vejo meu pai na sala, caminhando,
Da luz da tarde aos tépidos clarões,
De minha mãe escuto as orações
Na alcova, aonde ajoelhei rezando.
Brincam minhas irmãs (doce lembrança!.),
Na sala de jantar... Ai! mocidade,
És tão veloz, e o tempo não descansa!
Oh! sonhos, sonhos meus de claridade!
Como é tardia a última esperança!.
Meu Deus, como é tamanha esta saudade!.
(José Bonifácio, o Moço. Poesias. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1962)
Visita à Casa Paterna
Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo:
Entrei. Um Gênio carinhoso e amigo,
O fantasma, talvez, do amor materno,
Tomou-me as mãos, — olhou-me, grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.
Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha mãe... O pranto
Jorrou-me em ondas... Resistir quem há-de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.
(Luís Guimarães Junior, Sonetos e Rimas)
Uma das semelhanças mais notáveis entre os dois poemas está justamente nas personagens evocadas: pai, mãe, irmãs. Com base nesta informação,
a) Estabeleça a diferença entre Soneto e Visita à Casa Paterna quanto ao modo de aludirem ao pai de família;
b) Aponte, no poema de Luís Guimarães Jr., uma personagem que não é referida no de José Bonifácio.
Carregando...