UFPR 2008 Português - Questões

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Sem culpa e sem vergonha

No passado, a corrupção da política brasileira costumava andar de mãos dadas com a inflação. O resultado dessa combinação era a crise institucional. Hoje, morto o dragão inflacionário e com o sistema aberto a uma maior competitividade, a corrupção que, entre outras coisas, bloqueia a eficiência dos serviços públicos, surge em estado puro e remete a questões fundamentais. De onde vem, afinal, essa roubalheira institucionalizada que, como revela o governo Lula, independe de coloração ideológica e partido político? Seria ela o resultado das nossas origens como uma colônia semiabandonada, povoada por degredados e gente capaz de tudo para subir na vida? Estaria ligada a um mero banditismo, pronto a ser sanado por uma política eficiente? Ou teria uma ligação profunda com um desenho institucional marcado pela proteção aos superiores, a ponto de lhes garantir impunidade quando praticam a corrupção político-partidário-administrativa?

No centro da corrupção à brasileira existe uma indecisão cultural (ou moral se quiserem) entre duas éticas que operam em qualquer sistema social. A primeira é a ética particularista da casa, dos amigos e da família, que manda proteger, ignorar, relevar, condescender e perdoar o ofensor (corrente em sociedades tribais e arcaicas); a outra é a ética universalista da rua (ou do mundo público), que demanda, ao contrário, tratar com isenção ou igualdade, aquilatar a gravidade da ofensa, trazer a público o ofensor e punir adequadamente quem quer que tenha cometido o delito. Nosso problema, como a dinâmica da vida pública não cansa de mostrar, é que até hoje temos consciência dessa duplicidade, mas ignoramos solenemente suas implicações. Assim, quando se trata dos outros, somos implacáveis e a eles aplicamos sem hesitar as normas universais do mundo da rua. Maximizamos a dimensão impessoal da ofensa e tratamos a pessoa como um indivíduo: um mero cidadão também sujeito à lei. Mas, quando são os nossos, eles são vítimas da imprensa, meros aloprados, ou crianças. Como sequer julgar o presidente do Congresso Nacional, se ele é nosso colega, amigo e nos favoreceu em inúmeras situações?

Tenho para mim que o intolerável e verdadeiramente enlouquecedor no Brasil atual não é o jogo de forças entre pessoas e leis, rotineiro em qualquer sistema, mas a manutenção daquelas duas éticas no campo do “político”, justamente a esfera destinada a resolver a duplicidade. A coisa chegou a tal ponto que a palavra “política” passou a designar precisamente esse jogo amoral no qual a igualdade é sempre ultrapassada por pessoas que, desdenhando das leis, passam a controlá-las em vez de zelar por elas. Ou um ritual no qual os criminosos são acusados mas, quando são importantes, livram-se da pena porque têm comprovadas relações pessoais e partidárias com os donos do poder. Pior ainda, “política” passou a designar uma rotina de desfaçatez que é a manifestação mais patente do outro traço daquela duplicidade ética: uma extraordinária ambiguidade no que diz respeito a dois sentimentos que acompanham o rompimento da norma, a saber, a vergonha e a culpa.

(DAMATTA, Roberto. Veja, 15 ago. 2007 - adaptado.)

Tendo em vista o texto, considere as afirmações abaixo:

1. A indecisão entre a ética particularista (da casa, amigos, família) e a ética universalista (da rua, do mundo público) é algo que nasce na esfera política e a ela se restringe.

2. O tratamento da corrupção no Brasil é marcado pela duplicidade ética que leva a condenar os estranhos, mas relevar os delitos das pessoas próximas.

3. O combate à corrupção do governo Lula mostrou que ela está vinculada a determinadas ideologias e partidos políticos.

4. A resistência de parlamentares a julgar o presidente do Congresso Nacional faz prevalecer a ética da casa em detrimento da ética da rua.

Assinale a alternativa correta.


Sem culpa e sem vergonha

No passado, a corrupção da política brasileira costumava andar de mãos dadas com a inflação. O resultado dessa combinação era a crise institucional. Hoje, morto o dragão inflacionário e com o sistema aberto a uma maior competitividade, a corrupção que, entre outras coisas, bloqueia a eficiência dos serviços públicos, surge em estado puro e remete a questões fundamentais. De onde vem, afinal, essa roubalheira institucionalizada que, como revela o governo Lula, independe de coloração ideológica e partido político? Seria ela o resultado das nossas origens como uma colônia semiabandonada, povoada por degredados e gente capaz de tudo para subir na vida? Estaria ligada a um mero banditismo, pronto a ser sanado por uma política eficiente? Ou teria uma ligação profunda com um desenho institucional marcado pela proteção aos superiores, a ponto de lhes garantir impunidade quando praticam a corrupção político-partidário-administrativa?

No centro da corrupção à brasileira existe uma indecisão cultural (ou moral se quiserem) entre duas éticas que operam em qualquer sistema social. A primeira é a ética particularista da casa, dos amigos e da família, que manda proteger, ignorar, relevar, condescender e perdoar o ofensor (corrente em sociedades tribais e arcaicas); a outra é a ética universalista da rua (ou do mundo público), que demanda, ao contrário, tratar com isenção ou igualdade, aquilatar a gravidade da ofensa, trazer a público o ofensor e punir adequadamente quem quer que tenha cometido o delito. Nosso problema, como a dinâmica da vida pública não cansa de mostrar, é que até hoje temos consciência dessa duplicidade, mas ignoramos solenemente suas implicações. Assim, quando se trata dos outros, somos implacáveis e a eles aplicamos sem hesitar as normas universais do mundo da rua. Maximizamos a dimensão impessoal da ofensa e tratamos a pessoa como um indivíduo: um mero cidadão também sujeito à lei. Mas, quando são os nossos, eles são vítimas da imprensa, meros aloprados, ou crianças. Como sequer julgar o presidente do Congresso Nacional, se ele é nosso colega, amigo e nos favoreceu em inúmeras situações?

Tenho para mim que o intolerável e verdadeiramente enlouquecedor no Brasil atual não é o jogo de forças entre pessoas e leis, rotineiro em qualquer sistema, mas a manutenção daquelas duas éticas no campo do “político”, justamente a esfera destinada a resolver a duplicidade. A coisa chegou a tal ponto que a palavra “política” passou a designar precisamente esse jogo amoral no qual a igualdade é sempre ultrapassada por pessoas que, desdenhando das leis, passam a controlá-las em vez de zelar por elas. Ou um ritual no qual os criminosos são acusados mas, quando são importantes, livram-se da pena porque têm comprovadas relações pessoais e partidárias com os donos do poder. Pior ainda, “política” passou a designar uma rotina de desfaçatez que é a manifestação mais patente do outro traço daquela duplicidade ética: uma extraordinária ambiguidade no que diz respeito a dois sentimentos que acompanham o rompimento da norma, a saber, a vergonha e a culpa.

(DAMATTA, Roberto. Veja, 15 ago. 2007 - adaptado.)

No segundo parágrafo do texto, o autor faz usos diferenciados da primeira pessoa do plural, ora para designar conjuntos amplos de pessoas, ora conjuntos mais restritos. Observe a última frase do parágrafo:

“Como sequer julgar o presidente do Congresso Nacional, se ele é nosso colega, amigo e nos favoreceu em inúmeras situações?”

As formas da primeira pessoa do plural destacadas nessa frase designam:


Sem culpa e sem vergonha

No passado, a corrupção da política brasileira costumava andar de mãos dadas com a inflação. O resultado dessa combinação era a crise institucional. Hoje, morto o dragão inflacionário e com o sistema aberto a uma maior competitividade, a corrupção que, entre outras coisas, bloqueia a eficiência dos serviços públicos, surge em estado puro e remete a questões fundamentais. De onde vem, afinal, essa roubalheira institucionalizada que, como revela o governo Lula, independe de coloração ideológica e partido político? Seria ela o resultado das nossas origens como uma colônia semiabandonada, povoada por degredados e gente capaz de tudo para subir na vida? Estaria ligada a um mero banditismo, pronto a ser sanado por uma política eficiente? Ou teria uma ligação profunda com um desenho institucional marcado pela proteção aos superiores, a ponto de lhes garantir impunidade quando praticam a corrupção político-partidário-administrativa?

No centro da corrupção à brasileira existe uma indecisão cultural (ou moral se quiserem) entre duas éticas que operam em qualquer sistema social. A primeira é a ética particularista da casa, dos amigos e da família, que manda proteger, ignorar, relevar, condescender e perdoar o ofensor (corrente em sociedades tribais e arcaicas); a outra é a ética universalista da rua (ou do mundo público), que demanda, ao contrário, tratar com isenção ou igualdade, aquilatar a gravidade da ofensa, trazer a público o ofensor e punir adequadamente quem quer que tenha cometido o delito. Nosso problema, como a dinâmica da vida pública não cansa de mostrar, é que até hoje temos consciência dessa duplicidade, mas ignoramos solenemente suas implicações. Assim, quando se trata dos outros, somos implacáveis e a eles aplicamos sem hesitar as normas universais do mundo da rua. Maximizamos a dimensão impessoal da ofensa e tratamos a pessoa como um indivíduo: um mero cidadão também sujeito à lei. Mas, quando são os nossos, eles são vítimas da imprensa, meros aloprados, ou crianças. Como sequer julgar o presidente do Congresso Nacional, se ele é nosso colega, amigo e nos favoreceu em inúmeras situações?

Tenho para mim que o intolerável e verdadeiramente enlouquecedor no Brasil atual não é o jogo de forças entre pessoas e leis, rotineiro em qualquer sistema, mas a manutenção daquelas duas éticas no campo do “político”, justamente a esfera destinada a resolver a duplicidade. A coisa chegou a tal ponto que a palavra “política” passou a designar precisamente esse jogo amoral no qual a igualdade é sempre ultrapassada por pessoas que, desdenhando das leis, passam a controlá-las em vez de zelar por elas. Ou um ritual no qual os criminosos são acusados mas, quando são importantes, livram-se da pena porque têm comprovadas relações pessoais e partidárias com os donos do poder. Pior ainda, “política” passou a designar uma rotina de desfaçatez que é a manifestação mais patente do outro traço daquela duplicidade ética: uma extraordinária ambiguidade no que diz respeito a dois sentimentos que acompanham o rompimento da norma, a saber, a vergonha e a culpa.

(DAMATTA, Roberto. Veja, 15 ago. 2007 - adaptado.)

Para Damatta, a coexistência entre as duas éticas:


A Gazeta do Povo, em sua edição on-line, publicou em 8 de agosto de 2007 a seguinte notícia:

Com cerca de 1 milhão de veículos circulando pelas ruas de Curitiba é preciso buscar alternativas para evitar os congestionamentos. Alguns motoristas fazem rotas alternativas, desviando do centro da cidade. Outros procuram sair de casa mais cedo, evitando os horários de pico. Um projeto mais radical foi apresentado na Câmara de Vereadores de Curitiba. A proposta quer implantar um rodízio de carros no centro da capital.

Segundo o telejornal Paraná TV 1$\ ^{a}$ Edição, uma vez por semana seria necessário deixar o veículo em casa e procurar meios de transporte alternativos. Os carros seriam proibidos de circular pela área central de acordo com o número final da placa. O autor do projeto é o vereador Custódio da Silva. Segundo ele, não é só o trânsito congestionado que preocupa. O rodízio também ajudaria a diminuir a poluição. [...]

(www.rpc.com.br/gazetadopovo/parana/conteudo. Acessado em 16 ago. 2007.)

O site do jornal realizou a seguir um fórum, em que propôs aos leitores a seguinte questão: “Qual é a sua opinião sobre a implantação de rodízio de carros no centro de Curitiba?”

Assinale a alternativa que apresenta uma manifestação favorável ao rodízio.


A Filosofia como investigação

Todos sabem que o cético duvida de tudo. E todos sabem que duvidar de tudo não tem sentido: as ideias céticas podem ser sedutoras, mas dizer que não sabemos nada, que não temos certeza de nada é algo exagerado, absurdo e auto-refutável. O ceticismo, usualmente, é tido como algo negativo, enquanto na filosofia, frequentemente é descrito como uma posição que deve ser desafiada, enfrentada e vencida.

Essa atitude negativa que se atribui ao filósofo cético, porém, não é mais que um aspecto incidental e parcial do ceticismo. Na verdade, tal dúvida universal é inventada por filósofos modernos. Por isso, muitos autores que lidam com a questão cética são responsáveis pela difusão de uma imagem do ceticismo que não faz plena justiça à tradição intelectual que lhe deu origem. Oswaldo Porchat, um dos mais importantes filósofos brasileiros, já disse que a filosofia moderna e contemporânea costuma recorrer a "caricatas figurações" da filosofia cética: "cada filósofo fabrica seu inimigo cético particular e atribui-lhe esdrúxulas doutrinas ad hoc forjadas de modo que melhor sejam refutadas".

Quando nos defrontamos diretamente com os escritos e as ideias dos céticos, em especial dos céticos gregos antigos que sobreviveram ao tempo, encontramos uma imagem surpreendentemente rica e interessante do ceticismo, bem como uma maneira peculiar de questionar as doutrinas filosóficas. Há, assim, uma diferença crucial entre o cético moderno e o cético antigo. O primeiro lança uma dúvida radical sobre todos os domínios do conhecimento. Lembremo-nos, por exemplo, dos cenários onde são traçados os argumentos do sonho e do gênio maligno nas Meditações de Descartes: tenho o pensamento de que estou aqui, neste momento, sentado nesta cadeira, segurando uma folha de papel, mas posso estar sonhando ou sendo enganado por um deus poderoso. Por essa razão, uma questão central da epistemologia moderna é a seguinte: já que um pensamento que eu tomo como verdadeiro pode ser falso ou ilusório, o que deve ocorrer a um pensamento para lhe conferir a qualidade de conhecimento? O cético antigo, por sua vez, não supõe que todas as nossas crenças são ou podem ser simultaneamente falsas. A postura dubitativa do cético é ainda mais radical, pois a sua questão cética central não seria "é possível conhecer?" ou "como conhecemos?", mas a pergunta mais fundamental: "temos alguma razão para acreditar?" [...]

(SILVA FILHO, Waldomiro José da. Cult n. 116, ago. 2007.)

Segundo o autor, dizer que não sabemos de nada ou não temos certeza de nada é auto-refutável. Isso significa que:


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