A Filosofia como investigação
Todos sabem que o cético duvida de tudo. E todos sabem que duvidar de tudo não tem sentido: as ideias céticas podem ser sedutoras, mas dizer que não sabemos nada, que não temos certeza de nada é algo exagerado, absurdo e auto-refutável. O ceticismo, usualmente, é tido como algo negativo, enquanto na filosofia, frequentemente é descrito como uma posição que deve ser desafiada, enfrentada e vencida.
Essa atitude negativa que se atribui ao filósofo cético, porém, não é mais que um aspecto incidental e parcial do ceticismo. Na verdade, tal dúvida universal é inventada por filósofos modernos. Por isso, muitos autores que lidam com a questão cética são responsáveis pela difusão de uma imagem do ceticismo que não faz plena justiça à tradição intelectual que lhe deu origem. Oswaldo Porchat, um dos mais importantes filósofos brasileiros, já disse que a filosofia moderna e contemporânea costuma recorrer a "caricatas figurações" da filosofia cética: "cada filósofo fabrica seu inimigo cético particular e atribui-lhe esdrúxulas doutrinas ad hoc forjadas de modo que melhor sejam refutadas".
Quando nos defrontamos diretamente com os escritos e as ideias dos céticos, em especial dos céticos gregos antigos que sobreviveram ao tempo, encontramos uma imagem surpreendentemente rica e interessante do ceticismo, bem como uma maneira peculiar de questionar as doutrinas filosóficas. Há, assim, uma diferença crucial entre o cético moderno e o cético antigo. O primeiro lança uma dúvida radical sobre todos os domínios do conhecimento. Lembremo-nos, por exemplo, dos cenários onde são traçados os argumentos do sonho e do gênio maligno nas Meditações de Descartes: tenho o pensamento de que estou aqui, neste momento, sentado nesta cadeira, segurando uma folha de papel, mas posso estar sonhando ou sendo enganado por um deus poderoso. Por essa razão, uma questão central da epistemologia moderna é a seguinte: já que um pensamento que eu tomo como verdadeiro pode ser falso ou ilusório, o que deve ocorrer a um pensamento para lhe conferir a qualidade de conhecimento? O cético antigo, por sua vez, não supõe que todas as nossas crenças são ou podem ser simultaneamente falsas. A postura dubitativa do cético é ainda mais radical, pois a sua questão cética central não seria "é possível conhecer?" ou "como conhecemos?", mas a pergunta mais fundamental: "temos alguma razão para acreditar?" [...]
(SILVA FILHO, Waldomiro José da. Cult n. 116, ago. 2007.)
Segundo o autor, dizer que não sabemos de nada ou não temos certeza de nada é auto-refutável. Isso significa que: