UFF 2011 Português - Questões
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TEXTO I
Uma mesa cheia de feijões.
O gesto de os juntar num montão único. E o gesto de os separar, um por um, do dito montão (6).
O primeiro gesto é bem mais simples e pede menos tempo que o segundo.
Se em vez da mesa fosse um território, em lugar de feijões estariam pessoas. Juntar todas as pessoas num montão único é trabalho menos complicado do que o de personalizar cada uma delas (4).
O primeiro gesto, o de reunir, aunar, tornar uno todas as pessoas de um mesmo território, é o processo da CIVILIZAÇÃO (3).
O segundo gesto, o de personalizar cada ser que pertence a uma civilização, é o processo da CULTURA (2). É mais difícil a passagem da civilização para a cultura do que a formação de civilização.
A civilização é um fenômeno colectivo.
A cultura é um fenômeno individual (3).
Não há cultura sem civilização, nem civilização que perdure sem cultura(5).
(Almada Negreiros)
Vocabulário
aunar – juntar em um todo; unir.
TEXTO II
Pasolini foi o mais aguerrido defensor da diferença, ao detectar uma verdadeira mutação antropológica do mundo moderno: a condição humana e a condição burguesa passavam tristemente a coincidir (6). Tratava-se de um poder invisível, diluído e onipresente. Tudo se tornava igual a tudo em todo lugar. Era a melancolia da semelhança, inspirando boa parte de seus desesperados Escritos corsários. Era o fascismo de consumo que devastava a singularidade das culturas (4). Era o fim dos substratos sagrados, como vemos acontecer em Medeia. O sujeito dava espaço ao consumidor. O corpo passava à condição de mercadoria. Uma erotomania generalizada a braços dados com o bom-mocismo desenxabido do politicamente correto (7). Toda razão para Garaudy: o Ocidente é um acidente. Um acidente que se imagina universal. Tanto assim que, de Roma a Nova York, de Buenos Aires a Paris, Pasolini deparava-se com jovens cada vez mais parecidos entre si, a um só tempo infelizes e orgulhosos, mesquinhos e arrivistas (3). Em Isfahan, por exemplo, muitos começavam a usar um corte de cabelo à europeia. Para dizer que não eram iguais aos bárbaros, aos mortos de fome dos arredores: "somos burgueses, eis aqui nossos cabelos compridos, que provam nossa modernidade internacional de privilegiados (1).” Recusavam a própria cultura para ingressar — acéfalos — no submundo da modernidade (2). Quem poderá pressentir a profundidade do abismo que os ameaça ou a tristeza que os cerca (5)? Quem os poderá salvar de si mesmos?
(Marco Lucchesi)
Vocabulário
Medeia – personagem da mitologia grega
erotomania – exageração, às vezes mórbida, dos sentimentos amorosos e do fascínio por contatos sexuais; mania de sexo
Garaudy - Roger Garaudy, pensador francês
Isfahan - cidade no Irã
TEXTO III
O dia em que nós formos inteiramente brasileiros e só brasileiros a humanidade estará rica de mais uma raça, rica de uma nova combinação de qualidades humanas. As raças humanas são acordes musicais (...) Quando realizarmos o nosso acorde, então seremos usados na harmonia da civilização.
(Mário de Andrade)
Assinale a alternativa que apresenta comentário adequado sobre a relação de sentido entre os fragmentos dos Textos I e II, a seguir transcritos:
TEXTO I
Uma mesa cheia de feijões.
O gesto de os juntar num montão único. E o gesto de os separar, um por um, do dito montão (6).
O primeiro gesto é bem mais simples e pede menos tempo que o segundo.
Se em vez da mesa fosse um território, em lugar de feijões estariam pessoas. Juntar todas as pessoas num montão único é trabalho menos complicado do que o de personalizar cada uma delas (4).
O primeiro gesto, o de reunir, aunar, tornar uno todas as pessoas de um mesmo território, é o processo da CIVILIZAÇÃO (3).
O segundo gesto, o de personalizar cada ser que pertence a uma civilização, é o processo da CULTURA (2). É mais difícil a passagem da civilização para a cultura do que a formação de civilização.
A civilização é um fenômeno colectivo.
A cultura é um fenômeno individual (3).
Não há cultura sem civilização, nem civilização que perdure sem cultura(5).
(Almada Negreiros)
Vocabulário
aunar – juntar em um todo; unir.
TEXTO II
Pasolini foi o mais aguerrido defensor da diferença, ao detectar uma verdadeira mutação antropológica do mundo moderno: a condição humana e a condição burguesa passavam tristemente a coincidir (6). Tratava-se de um poder invisível, diluído e onipresente. Tudo se tornava igual a tudo em todo lugar. Era a melancolia da semelhança, inspirando boa parte de seus desesperados Escritos corsários. Era o fascismo de consumo que devastava a singularidade das culturas (4). Era o fim dos substratos sagrados, como vemos acontecer em Medeia. O sujeito dava espaço ao consumidor. O corpo passava à condição de mercadoria. Uma erotomania generalizada a braços dados com o bom-mocismo desenxabido do politicamente correto (7). Toda razão para Garaudy: o Ocidente é um acidente. Um acidente que se imagina universal. Tanto assim que, de Roma a Nova York, de Buenos Aires a Paris, Pasolini deparava-se com jovens cada vez mais parecidos entre si, a um só tempo infelizes e orgulhosos, mesquinhos e arrivistas (3). Em Isfahan, por exemplo, muitos começavam a usar um corte de cabelo à europeia. Para dizer que não eram iguais aos bárbaros, aos mortos de fome dos arredores: "somos burgueses, eis aqui nossos cabelos compridos, que provam nossa modernidade internacional de privilegiados (1).” Recusavam a própria cultura para ingressar — acéfalos — no submundo da modernidade (2). Quem poderá pressentir a profundidade do abismo que os ameaça ou a tristeza que os cerca (5)? Quem os poderá salvar de si mesmos?
(Marco Lucchesi)
Vocabulário
Medeia – personagem da mitologia grega
erotomania – exageração, às vezes mórbida, dos sentimentos amorosos e do fascínio por contatos sexuais; mania de sexo
Garaudy - Roger Garaudy, pensador francês
Isfahan - cidade no Irã
TEXTO III
O dia em que nós formos inteiramente brasileiros e só brasileiros a humanidade estará rica de mais uma raça, rica de uma nova combinação de qualidades humanas. As raças humanas são acordes musicais (...) Quando realizarmos o nosso acorde, então seremos usados na harmonia da civilização.
(Mário de Andrade)
Assinale a alternativa que correlaciona, quanto ao sentido do termo “civilização”, o fragmento de Mário de Andrade (Texto III) com o fragmento de Almada Negreiros (Texto I).
TEXTO I
Uma mesa cheia de feijões.
O gesto de os juntar num montão único. E o gesto de os separar, um por um, do dito montão (6).
O primeiro gesto é bem mais simples e pede menos tempo que o segundo.
Se em vez da mesa fosse um território, em lugar de feijões estariam pessoas. Juntar todas as pessoas num montão único é trabalho menos complicado do que o de personalizar cada uma delas (4).
O primeiro gesto, o de reunir, aunar, tornar uno todas as pessoas de um mesmo território, é o processo da CIVILIZAÇÃO (3).
O segundo gesto, o de personalizar cada ser que pertence a uma civilização, é o processo da CULTURA (2). É mais difícil a passagem da civilização para a cultura do que a formação de civilização.
A civilização é um fenômeno colectivo.
A cultura é um fenômeno individual (3).
Não há cultura sem civilização, nem civilização que perdure sem cultura(5).
(Almada Negreiros)
Vocabulário
aunar – juntar em um todo; unir.
TEXTO II
Pasolini foi o mais aguerrido defensor da diferença, ao detectar uma verdadeira mutação antropológica do mundo moderno: a condição humana e a condição burguesa passavam tristemente a coincidir (6). Tratava-se de um poder invisível, diluído e onipresente. Tudo se tornava igual a tudo em todo lugar. Era a melancolia da semelhança, inspirando boa parte de seus desesperados Escritos corsários. Era o fascismo de consumo que devastava a singularidade das culturas (4). Era o fim dos substratos sagrados, como vemos acontecer em Medeia. O sujeito dava espaço ao consumidor. O corpo passava à condição de mercadoria. Uma erotomania generalizada a braços dados com o bom-mocismo desenxabido do politicamente correto (7). Toda razão para Garaudy: o Ocidente é um acidente. Um acidente que se imagina universal. Tanto assim que, de Roma a Nova York, de Buenos Aires a Paris, Pasolini deparava-se com jovens cada vez mais parecidos entre si, a um só tempo infelizes e orgulhosos, mesquinhos e arrivistas (3). Em Isfahan, por exemplo, muitos começavam a usar um corte de cabelo à europeia. Para dizer que não eram iguais aos bárbaros, aos mortos de fome dos arredores: "somos burgueses, eis aqui nossos cabelos compridos, que provam nossa modernidade internacional de privilegiados (1).” Recusavam a própria cultura para ingressar — acéfalos — no submundo da modernidade (2). Quem poderá pressentir a profundidade do abismo que os ameaça ou a tristeza que os cerca (5)? Quem os poderá salvar de si mesmos?
(Marco Lucchesi)
Vocabulário
Medeia – personagem da mitologia grega
erotomania – exageração, às vezes mórbida, dos sentimentos amorosos e do fascínio por contatos sexuais; mania de sexo
Garaudy - Roger Garaudy, pensador francês
Isfahan - cidade no Irã
TEXTO III
O dia em que nós formos inteiramente brasileiros e só brasileiros a humanidade estará rica de mais uma raça, rica de uma nova combinação de qualidades humanas. As raças humanas são acordes musicais (...) Quando realizarmos o nosso acorde, então seremos usados na harmonia da civilização.
(Mário de Andrade)
Assinale a alternativa que apresenta comentário adequado a um dos fragmentos dos Textos I e II, com base em aspectos sintáticos, morfológicos e semânticos.
TEXTO I
O homem pensa ter na $\underline{\text{Cidade}}$ (4) a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. Vê, $\underline{\text{Jacinto}}$ (1)! Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos moles como trapos, de nervos trêmulos como arames, com cangalhas, com chinós, com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem fibra, sem viço, torto, corcunda — esse ser em que Deus, espantado, mal pôde reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão!
Na Cidade findou a sua liberdade moral: cada manhã ela $\underline{\text{lhe}}$ (2) impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante $\underline{\text{solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar}}$ (3); rico e superior como um Jacinto, a sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimônias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os de um cárcere ou de um quartel... A sua tranquilidade (bem tão alto que Deus com ela recompensa os santos) onde está, meu Jacinto?
Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de ouro!
(Eça de Queiroz)
Vocabulário
escanifrado – magro, enfraquecido
unto – gordura
chinós – cabeleira postiça, peruca
TEXTO II
$\underline{\text{Este}}$ (2) grafite está estampado $\underline{\text{ali}}$ (2) no Parque dos Patins (4), um lugar muito frequentado pelo público infantil, na Lagoa Rodrigo de Freitas no Rio. $\underline{\text{Veja só}}$ (1). É uma mulher fantasiada, (3) com um fuzil atravessado nas costas, uma metralhadora na mão esquerda e uma pistola na direita. Lá no fundo, dá para ver o morro do Corcovado e o Cristo Redentor. Deve haver quem ache que é arte de rua. A coluna acha um horror. É apenas mais um retrato que emporcalha a paisagem carioca. Com todo respeito.
(Anselmo Gois. O Globo, 29/06/2010.)
Quanto à construção linguística do Texto I e a legenda do Texto II, pode-se afirmar que
Senhora Dona Bahia,
nobre e opulenta cidade,
madrasta dos naturais,
e dos estrangeiros madre:
Dizei-me por vida vossa
em que fundais o ditame
de exaltar os que aqui vêm,
e abater os que aqui nascem?
Se o fazeis pelo interesse
de que os estranhos vos gabem,
isso os paisanos fariam
com conhecidas vantagens.
E suposto que os louvores
em boca própria não valem,
se tem força esta sentença,
mor força terá a verdade.
O certo é, pátria minha,
que fostes terra de alarves,
e inda os ressábios vos duram
desse tempo e dessa idade.
Haverá duzentos anos,
nem tantos podem contar-se,
que éreis uma aldeia pobre
e hoje sois rica cidade.
Então vos pisavam índios,
e vos habitavam cafres,
hoje chispais fidalguias,
arrojando personagens.
(Gregório de Matos)
Vocabulário
alarves – que ou quem é rústico, abrutado, grosseiro, ignorante; que ou o que é tolo, parvo, estúpido.
ressábios – sabor; gosto que se tem depois.
cafres – indivíduo de raça negra.
Assinale a charge que, de modo semelhante ao verso “e abater os que aqui nascem?”, critica, sob um enfoque metafórico, um comportamento presente na cultura brasileira, sobretudo em relação à nossa identidade.
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