TEXTO I

Uma mesa cheia de feijões.

O gesto de os juntar num montão único. E o gesto de os separar, um por um, do dito montão (6).

O primeiro gesto é bem mais simples e pede menos tempo que o segundo.

Se em vez da mesa fosse um território, em lugar de feijões estariam pessoas. Juntar todas as pessoas num montão único é trabalho menos complicado do que o de personalizar cada uma delas (4).

O primeiro gesto, o de reunir, aunar, tornar uno todas as pessoas de um mesmo território, é o processo da CIVILIZAÇÃO (3).

O segundo gesto, o de personalizar cada ser que pertence a uma civilização, é o processo da CULTURA (2). É mais difícil a passagem da civilização para a cultura do que a formação de civilização.

A civilização é um fenômeno colectivo.

A cultura é um fenômeno individual (3).

Não há cultura sem civilização, nem civilização que perdure sem cultura(5).

(Almada Negreiros)

Vocabulário

aunar – juntar em um todo; unir.

TEXTO II

Pasolini foi o mais aguerrido defensor da diferença, ao detectar uma verdadeira mutação antropológica do mundo moderno: a condição humana e a condição burguesa passavam tristemente a coincidir (6). Tratava-se de um poder invisível, diluído e onipresente. Tudo se tornava igual a tudo em todo lugar. Era a melancolia da semelhança, inspirando boa parte de seus desesperados Escritos corsários. Era o fascismo de consumo que devastava a singularidade das culturas (4). Era o fim dos substratos sagrados, como vemos acontecer em Medeia. O sujeito dava espaço ao consumidor. O corpo passava à condição de mercadoria. Uma erotomania generalizada a braços dados com o bom-mocismo desenxabido do politicamente correto (7). Toda razão para Garaudy: o Ocidente é um acidente. Um acidente que se imagina universal. Tanto assim que, de Roma a Nova York, de Buenos Aires a Paris, Pasolini deparava-se com jovens cada vez mais parecidos entre si, a um só tempo infelizes e orgulhosos, mesquinhos e arrivistas (3). Em Isfahan, por exemplo, muitos começavam a usar um corte de cabelo à europeia. Para dizer que não eram iguais aos bárbaros, aos mortos de fome dos arredores: "somos burgueses, eis aqui nossos cabelos compridos, que provam nossa modernidade internacional de privilegiados (1).” Recusavam a própria cultura para ingressar — acéfalos — no submundo da modernidade (2). Quem poderá pressentir a profundidade do abismo que os ameaça ou a tristeza que os cerca (5)? Quem os poderá salvar de si mesmos?

(Marco Lucchesi)

Vocabulário

Medeia – personagem da mitologia grega

erotomania – exageração, às vezes mórbida, dos sentimentos amorosos e do fascínio por contatos sexuais; mania de sexo

Garaudy - Roger Garaudy, pensador francês

Isfahan - cidade no Irã

TEXTO III

O dia em que nós formos inteiramente brasileiros e só brasileiros a humanidade estará rica de mais uma raça, rica de uma nova combinação de qualidades humanas. As raças humanas são acordes musicais (...) Quando realizarmos o nosso acorde, então seremos usados na harmonia da civilização.

(Mário de Andrade)

Assinale a alternativa que correlaciona, quanto ao sentido do termo “civilização”, o fragmento de Mário de Andrade (Texto III) com o fragmento de Almada Negreiros (Texto I).