UERJ 2016 Português - Questões
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A PRESSA DE ACABAR
Evidentemente nós sofremos agora em todo o mundo de uma dolorosa moléstia; a pressa de acabar. Os nossos avós nunca tinham pressa. Ao contrário. Adiar, aumentar, era para eles a suprema delícia. Como os relógios, nesses tempos remotos, não eram maravilhas de precisão, os homens mediam os dias com todo o cuidado da atenção (5).
Sim! Em tudo, essa estranha pressa de acabar se ostenta como a marca do século (1). Não há mais livros definitivos, quadros destinados a não morrer, ideias imortais. Trabalha-se muito mais, pensa-se muito mais, ama-se mesmo muito mais (9),apenas sem fazer a digestão e sem ter tempo de a fazer.
Antigamente as horas eram entidades que os homens conheciam imperfeitamente. Calcular a passagem das horas era tão complicado como calcular a passagem dos dias. Inventavam-se relógios de todos os moldes e formas (6).
Hoje, nós somos escravos das horas, dessas senhoras inexoráveis* que não cedem nunca (2) e cortam o dia da gente numa triste migalharia de minutos e segundos. Cada hora é para nós distinta, pessoal, característica, porque cada hora representa para nós o acúmulo de várias coisas que nós temos pressa de acabar. O relógio era um objeto de luxo. Hoje até os mendigos usam um marcador de horas, porque têm pressa, pressa de acabar.
O homem mesmo será classificado, afirmo eu já com pressa, como o Homus cinematographicus.Nós somos uma delirante sucessão de fitas cinematográficas (3). Em meia hora de sessão tem-se um espetáculo multiforme e assustador (10) cujo título geral é; Precisamos acabar depressa.
O homem de agora é como a multidão; ativo e imediato (7). Não pensa, faz; não pergunta, obra; não reflete, julga (11).
O homem cinematográfico resolveu a suprema insanidade; encher o tempo, atopetar o tempo, abarrotar o tempo, paralisar o tempo para chegar antes dele (4). Todos os dias (dias em que ele não vê a beleza do sol ou do céu e a doçura das árvores porque não tem tempo, diariamente, nesse número de horas retalhadas em minutos e segundos que uma população de relógios marca, registra e desfia), o pobre diabo sua, labuta, desespera com os olhos fitos nesse hipotético poste (8) de chegada que é a miragem da ilusão.
Uns acabam pensando que encheram o tempo, que o mataram de vez (12). Outros desesperados vão para o hospício ou para os cemitérios. A corrida continua. E o Tempo também, o Tempo insensível e incomensurável, o Tempo infinito para o qual todo o esforço é inútil, o Tempo que não acaba nunca! É satanicamente doloroso. Mas que fazer?
*inexoráveis – que não cedem, implacáveis
(João do RioAdaptado de Cinematógrafo: crônicas cariocas. Rio de Janeiro: ABL, 2009.)
essa estranha pressa de acabar se ostenta como a marca do século. (1)
O trecho acima contém o eixo temático da crônica escrita por João do Rio em 1909.
Na construção da opinião presente nesse trecho, é possível identificar um procedimento de:
FELICIDADE
Olhou para o céu, certificando-se de que não ia chover (1).
- Passa já pra dentro, Jaú. Olha a carrocinha!
Jaú, costelas à mostra e rabinho impertinente, continuou impassível a se espichar ao sol, num desrespeito sem nome à sua dona e numa ignorância santa das perseguições municipais.
Clarete também teve o bom senso de não insistir (2), o que aliás era uma das suas mais evidentes qualidades. Carregou mais uma vez a boina escarlate sobre o olhar cinemático$\ ^{1}$, bateu a porta com força - té logo, mamãe! - e desceu apressada, sob um sol de rachar pedras, a extensa ladeira para apanhar o bonde, pois tinha de estar às oito e meia, sob pena de repreensão, na estação Sul da Cia. Telefônica.
No bonde, afinal, tirou da bolsa o reloginho-pulseira e deu-lhe corda. Era um bom relógio aquele. Também, era Longines e no rádio do vizinho, que se mudara, um sujeito mal-encarado, ouvira sempre dizer que era o relógio mais afamado do mundo inteiro. Fora presente de seu Rosas quando ela morava na avenida. E, à falta de outra coisa, foi remexendo o seu passado pequenino com a lembrança do seu Rosas.
Rosas. Que nome! Não lhe entrava na cabeça que uma pessoa pudesse se chamar Rosas. Nem Rosas, nem Flores. Que esquisitice, já se viu?
Arregalou os olhos fotogênicos.
- Que amor!
Uma senhora ocupava o banco da frente, com um chapéu, rico, de feltro, enterrado até às sobrancelhas (3).
O solavanco da curva não a deixou ter inveja. Calculou o preço, assim por alto: cento e poucos mil-réis, no mínimo. Quase seu ordenado. Quase... E sem querer voltou a seu Rosas.
Fora ele quem lhe dera aquele reloginho. A mãe torcera o nariz, nada, porém, dissera. Devia contudo ter pensado dela coisas bem feias. Clarete sorriu. O rapaz da ponta, com o Rio Esportivo aberto nas mãos e os olhos pregados nela, sorriu também. Clarete arrumou-lhe$\ ^{2}$ em cima um olhar que queria dizer: idiota! e o rapaz zureta afundou os óculos de tartaruga na entrevista do beque$\ ^{3}$ carioca sobre o jogo contra os paulistas.
(...)
Praia de Botafogo. Meu Deus! Pendurou-se nervosamente na campainha (4), saltou e atravessou a rua sob o olhar perseguidor da rapaziada que ia no bonde.
Houve tempo em que Clarete se chamava simplesmente Clara. Tinha, então, os cabelos compridos, pestanas sem rímel, sobrancelhas cerradas, uma magreza de menina que ajuda a mãe na vida difícil e um desejo indisfarçável de acabar com as sardas que lhe pintalgavam$\ ^{4}$ as faces e punham no narizinho arrebitado uma graça brejeira.
Trabalhava numa fábrica de caixas de papelão e vinha para a casa às quatro e meia, quando não havia serão, doidinha de fome e recendendo a cola de peixe.
Quando ela passava, os meninos buliam na certa:
- Ovo de tico-tico! Ovo de tico-tico!
Ela arredondava-lhes um palavrãozinho que aprendera na fábrica com a Santinha e continuava a subir a ladeira comprida, rebolando, provocante. (...)
Verdade é que eles a chamavam de ovo de tico-tico, menos pelas sardas do que por despeito. Ela não dava confiança a nenhum - vê lá!... - e no coração deles andava uma loucura por Clarete. Ai! se ela quisesse!... - suspiravam todos intimamente. Ela, porém, não queria, estava mais que visto. E eles ficavam se regalando amoravelmente com o palavrãozinho jogado assim num desprezo superior, pela boca minúscula que todas as noites aparecia, tentadoramente se ofertando, nos seus sonhos juvenis.
(Marques Rebello. Contos reunidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.)
$\ ^{1}$cinemático – que se movimenta em várias direções
$\ ^{2}$arrumar-lhe – dirigir-lhe
$\ ^{3}$beque – zagueiro
$\ ^{4}$pintalgar – pintar
No conto, o narrador faz referência a duas etapas distintas da vida da protagonista.
Nomeie essas duas etapas, na ordem em que elas aparecem no texto. Em seguida, transcreva a frase que explicita a distinção entre as duas etapas.
A PRESSA DE ACABAR
Evidentemente nós sofremos agora em todo o mundo de uma dolorosa moléstia; a pressa de acabar. Os nossos avós nunca tinham pressa. Ao contrário. Adiar, aumentar, era para eles a suprema delícia. Como os relógios, nesses tempos remotos, não eram maravilhas de precisão, os homens mediam os dias com todo o cuidado da atenção (5).
Sim! Em tudo, essa estranha pressa de acabar se ostenta como a marca do século (1). Não há mais livros definitivos, quadros destinados a não morrer, ideias imortais. Trabalha-se muito mais, pensa-se muito mais, ama-se mesmo muito mais (9),apenas sem fazer a digestão e sem ter tempo de a fazer.
Antigamente as horas eram entidades que os homens conheciam imperfeitamente. Calcular a passagem das horas era tão complicado como calcular a passagem dos dias. Inventavam-se relógios de todos os moldes e formas (6).
Hoje, nós somos escravos das horas, dessas senhoras inexoráveis* que não cedem nunca (2) e cortam o dia da gente numa triste migalharia de minutos e segundos. Cada hora é para nós distinta, pessoal, característica, porque cada hora representa para nós o acúmulo de várias coisas que nós temos pressa de acabar. O relógio era um objeto de luxo. Hoje até os mendigos usam um marcador de horas, porque têm pressa, pressa de acabar.
O homem mesmo será classificado, afirmo eu já com pressa, como o Homus cinematographicus.Nós somos uma delirante sucessão de fitas cinematográficas (3). Em meia hora de sessão tem-se um espetáculo multiforme e assustador (10) cujo título geral é; Precisamos acabar depressa.
O homem de agora é como a multidão; ativo e imediato (7). Não pensa, faz; não pergunta, obra; não reflete, julga (11).
O homem cinematográfico resolveu a suprema insanidade; encher o tempo, atopetar o tempo, abarrotar o tempo, paralisar o tempo para chegar antes dele (4). Todos os dias (dias em que ele não vê a beleza do sol ou do céu e a doçura das árvores porque não tem tempo, diariamente, nesse número de horas retalhadas em minutos e segundos que uma população de relógios marca, registra e desfia), o pobre diabo sua, labuta, desespera com os olhos fitos nesse hipotético poste (8) de chegada que é a miragem da ilusão.
Uns acabam pensando que encheram o tempo, que o mataram de vez (12). Outros desesperados vão para o hospício ou para os cemitérios. A corrida continua. E o Tempo também, o Tempo insensível e incomensurável, o Tempo infinito para o qual todo o esforço é inútil, o Tempo que não acaba nunca! É satanicamente doloroso. Mas que fazer?
*inexoráveis – que não cedem, implacáveis
(João do RioAdaptado de Cinematógrafo: crônicas cariocas. Rio de Janeiro: ABL, 2009.)
Hoje, nós somos escravos das horas, dessas senhoras inexoráveis que não cedem nunca 2
Neste fragmento, o autor emprega uma figura de linguagem para expressar o embate entre o homem e o tempo.
Essa figura de linguagem é conhecida como:
FELICIDADE
Olhou para o céu, certificando-se de que não ia chover (1).
- Passa já pra dentro, Jaú. Olha a carrocinha!
Jaú, costelas à mostra e rabinho impertinente, continuou impassível a se espichar ao sol, num desrespeito sem nome à sua dona e numa ignorância santa das perseguições municipais.
Clarete também teve o bom senso de não insistir (2), o que aliás era uma das suas mais evidentes qualidades. Carregou mais uma vez a boina escarlate sobre o olhar cinemático$\ ^{1}$, bateu a porta com força - té logo, mamãe! - e desceu apressada, sob um sol de rachar pedras, a extensa ladeira para apanhar o bonde, pois tinha de estar às oito e meia, sob pena de repreensão, na estação Sul da Cia. Telefônica.
No bonde, afinal, tirou da bolsa o reloginho-pulseira e deu-lhe corda. Era um bom relógio aquele. Também, era Longines e no rádio do vizinho, que se mudara, um sujeito mal-encarado, ouvira sempre dizer que era o relógio mais afamado do mundo inteiro. Fora presente de seu Rosas quando ela morava na avenida. E, à falta de outra coisa, foi remexendo o seu passado pequenino com a lembrança do seu Rosas.
Rosas. Que nome! Não lhe entrava na cabeça que uma pessoa pudesse se chamar Rosas. Nem Rosas, nem Flores. Que esquisitice, já se viu?
Arregalou os olhos fotogênicos.
- Que amor!
Uma senhora ocupava o banco da frente, com um chapéu, rico, de feltro, enterrado até às sobrancelhas (3).
O solavanco da curva não a deixou ter inveja. Calculou o preço, assim por alto: cento e poucos mil-réis, no mínimo. Quase seu ordenado. Quase... E sem querer voltou a seu Rosas.
Fora ele quem lhe dera aquele reloginho. A mãe torcera o nariz, nada, porém, dissera. Devia contudo ter pensado dela coisas bem feias. Clarete sorriu. O rapaz da ponta, com o Rio Esportivo aberto nas mãos e os olhos pregados nela, sorriu também. Clarete arrumou-lhe$\ ^{2}$ em cima um olhar que queria dizer: idiota! e o rapaz zureta afundou os óculos de tartaruga na entrevista do beque$\ ^{3}$ carioca sobre o jogo contra os paulistas.
(...)
Praia de Botafogo. Meu Deus! Pendurou-se nervosamente na campainha (4), saltou e atravessou a rua sob o olhar perseguidor da rapaziada que ia no bonde.
Houve tempo em que Clarete se chamava simplesmente Clara. Tinha, então, os cabelos compridos, pestanas sem rímel, sobrancelhas cerradas, uma magreza de menina que ajuda a mãe na vida difícil e um desejo indisfarçável de acabar com as sardas que lhe pintalgavam$\ ^{4}$ as faces e punham no narizinho arrebitado uma graça brejeira.
Trabalhava numa fábrica de caixas de papelão e vinha para a casa às quatro e meia, quando não havia serão, doidinha de fome e recendendo a cola de peixe.
Quando ela passava, os meninos buliam na certa:
- Ovo de tico-tico! Ovo de tico-tico!
Ela arredondava-lhes um palavrãozinho que aprendera na fábrica com a Santinha e continuava a subir a ladeira comprida, rebolando, provocante. (...)
Verdade é que eles a chamavam de ovo de tico-tico, menos pelas sardas do que por despeito. Ela não dava confiança a nenhum - vê lá!... - e no coração deles andava uma loucura por Clarete. Ai! se ela quisesse!... - suspiravam todos intimamente. Ela, porém, não queria, estava mais que visto. E eles ficavam se regalando amoravelmente com o palavrãozinho jogado assim num desprezo superior, pela boca minúscula que todas as noites aparecia, tentadoramente se ofertando, nos seus sonhos juvenis.
(Marques Rebello. Contos reunidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.)
$\ ^{1}$cinemático – que se movimenta em várias direções
$\ ^{2}$arrumar-lhe – dirigir-lhe
$\ ^{3}$beque – zagueiro
$\ ^{4}$pintalgar – pintar
Considere, nas passagens abaixo, as orações iniciadas por preposição:
Olhou para o céu, certificando-se de que não ia chover. (1)
Clarete também teve o bom senso de não insistir, (2)
Aponte o valor sintático de cada uma dessas orações.
A PRESSA DE ACABAR
Evidentemente nós sofremos agora em todo o mundo de uma dolorosa moléstia; a pressa de acabar. Os nossos avós nunca tinham pressa. Ao contrário. Adiar, aumentar, era para eles a suprema delícia. Como os relógios, nesses tempos remotos, não eram maravilhas de precisão, os homens mediam os dias com todo o cuidado da atenção (5).
Sim! Em tudo, essa estranha pressa de acabar se ostenta como a marca do século (1). Não há mais livros definitivos, quadros destinados a não morrer, ideias imortais. Trabalha-se muito mais, pensa-se muito mais, ama-se mesmo muito mais (9),apenas sem fazer a digestão e sem ter tempo de a fazer.
Antigamente as horas eram entidades que os homens conheciam imperfeitamente. Calcular a passagem das horas era tão complicado como calcular a passagem dos dias. Inventavam-se relógios de todos os moldes e formas (6).
Hoje, nós somos escravos das horas, dessas senhoras inexoráveis* que não cedem nunca (2) e cortam o dia da gente numa triste migalharia de minutos e segundos. Cada hora é para nós distinta, pessoal, característica, porque cada hora representa para nós o acúmulo de várias coisas que nós temos pressa de acabar. O relógio era um objeto de luxo. Hoje até os mendigos usam um marcador de horas, porque têm pressa, pressa de acabar.
O homem mesmo será classificado, afirmo eu já com pressa, como o Homus cinematographicus.Nós somos uma delirante sucessão de fitas cinematográficas (3). Em meia hora de sessão tem-se um espetáculo multiforme e assustador (10) cujo título geral é; Precisamos acabar depressa.
O homem de agora é como a multidão; ativo e imediato (7). Não pensa, faz; não pergunta, obra; não reflete, julga (11).
O homem cinematográfico resolveu a suprema insanidade; encher o tempo, atopetar o tempo, abarrotar o tempo, paralisar o tempo para chegar antes dele (4). Todos os dias (dias em que ele não vê a beleza do sol ou do céu e a doçura das árvores porque não tem tempo, diariamente, nesse número de horas retalhadas em minutos e segundos que uma população de relógios marca, registra e desfia), o pobre diabo sua, labuta, desespera com os olhos fitos nesse hipotético poste (8) de chegada que é a miragem da ilusão.
Uns acabam pensando que encheram o tempo, que o mataram de vez (12). Outros desesperados vão para o hospício ou para os cemitérios. A corrida continua. E o Tempo também, o Tempo insensível e incomensurável, o Tempo infinito para o qual todo o esforço é inútil, o Tempo que não acaba nunca! É satanicamente doloroso. Mas que fazer?
*inexoráveis – que não cedem, implacáveis
(João do RioAdaptado de Cinematógrafo: crônicas cariocas. Rio de Janeiro: ABL, 2009.)
Nós somos uma delirante sucessão de fitas cinematográficas. (3)
Ao comparar os seres humanos com filmes, o autor estabelece uma crítica. No contexto, essa crítica pode ser sintetizada pelo seguinte termo:
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