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XXIV

O que nós vemos das coisas são as coisas.

Porque veríamos nós uma coisa se houvesse outra?

Porque é que ver e ouvir seriam iludirmo-nos

Se ver e ouvir são ver e ouvir?

O essencial é saber ver,

Saber ver sem estar a pensar,

Saber ver quando se vê,

E nem pensar quando se vê,

Nem ver quando se pensa.

Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!),

Isso exige um estudo profundo,

Uma aprendizagem de desaprender

E uma sequestração na liberdade daquele convento

De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas

E as flores as penitentes convictas de um só dia,

Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas

Nem as flores senão flores,

Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.

PESSOA, Fernando. Poesia completa de Alberto Caeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p.49.

Segundo Alberto Caeiro, no poema XXIV de O guardador de rebanhos,


Um boi vê os homens

Tão delicados (mais que um arbusto) e correm e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos de alguma coisa. Certamente falta-lhes não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves, até sinistros. Coitados, dir-se-ia não escutam nem o canto do ar nem os segredos do feno, como também parecem não enxergar o que é visível e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes e no rasto da tristeza chegam à crueldade. Toda a expressão deles mora nos olhos — e perde-se a um simples baixar de cílios, a uma sombra. Nada nos pelos, nos extremos de inconcebível fragilidade, e como neles há pouca montanha, e que secura e que reentrâncias e que impossibilidade de se organizarem em formas calmas, permanentes e necessárias. Têm, talvez, certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem perdoar a agitação incômoda e o translúcido vazio interior que os torna tão pobres e carecidos de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme (que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no campo como pedras aflitas e queimam a erva e a água, e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 1991, p. 25-26.

A respeito do poema de Drummond, é possível afirmar que o boi


Um boi vê os homens

Tão delicados (mais que um arbusto) e correm e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos de alguma coisa. Certamente falta-lhes não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves, até sinistros. Coitados, dir-se-ia não escutam nem o canto do ar nem os segredos do feno, como também parecem não enxergar o que é visível e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes e no rasto da tristeza chegam à crueldade. Toda a expressão deles mora nos olhos — e perde-se a um simples baixar de cílios, a uma sombra. Nada nos pelos, nos extremos de inconcebível fragilidade, e como neles há pouca montanha, e que secura e que reentrâncias e que impossibilidade de se organizarem em formas calmas, permanentes e necessárias. Têm, talvez, certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem perdoar a agitação incômoda e o translúcido vazio interior que os torna tão pobres e carecidos de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme (que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no campo como pedras aflitas e queimam a erva e a água, e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 1991, p. 25-26.

É correto afirmar que no fragmento “Coitados, dir-se-ia não escutam / nem o canto do ar nem os segredos do feno, / como também parecem não enxergar o que é visível / e comum a cada um de nós, no espaço”, o eu lírico de Drummond parece dialogar com


EU, O NARRADOR, SOU MUATIÂNVUA.

(...)

Onde eu nasci, havia homens de todas as línguas vivendo nas casas comuns e miseráveis da Companhia. Onde eu cresci, no Bairro Benfica, em Benguela, havia homens de todas as línguas, sofrendo as mesmas amarguras. O primeiro bando a que pertenci tinha mesmo meninos brancos, e tinha miúdos nascidos de pai umbundo, tchokue, kimbundo, fiote, kuanhama.

(...)

Eu sou o que é posto de lado, porque não seguiu o sangue da mãe kimbando ou o sangue do pai umbando. Também Sem Medo, também Teoria, também o Comissário, e tantos outros mais.

A imensidão do mar que nada pode modificar ensinou-me a paciência. O mar une, o mar estreita, o mar liga. Nós também temos o nosso mar interior, que não é o Kuanza, nem o Loje, nem o Kunene. O nosso mar, feito de gotas-diamante, suores e lágrimas esmagados, o nosso mar é o brilho da arma bem oleada que faísca no meio da verdura do Mayombe, lançando fulgurações de diamante ao sol da Lunda.

PEPETELA. Mayombe. Rio de Janeiro: Leya, 2013, p. 119-121.

Com base em sua leitura do fragmento e em seus conhecimentos sobre o romance Mayombe, analise as seguintes afirmações a respeito do guerrilheiro Muatiânvua, personagem da obra:

  1. I. Condena o tribalismo, comportamento manifesto por vários dos guerrilheiros comandados por Sem Medo, apesar de ter vivenciado a experiência tribal quando criança, na época em que participou de seu “primeiro bando”.

  2. II. Sente-se marginalizado, pois, assim como Sem Medo e outros companheiros de luta, não assumiu lealdade a uma tribo, mantendo-se fiel aos ideais marxistas que orientam os guerrilheiros do MPLA.

  3. III. Apesar das tensões geradas pelo tribalismo, considera a luta pela independência de Angola um propósito capaz de aplacar as diferenças entre os guerrilheiros de seu grupo.

São verdadeiras as afirmações:


EU, O NARRADOR, SOU MUATIÂNVUA.

(...)

Onde eu nasci, havia homens de todas as línguas vivendo nas casas comuns e miseráveis da Companhia. Onde eu cresci, no Bairro Benfica, em Benguela, havia homens de todas as línguas, sofrendo as mesmas amarguras. O primeiro bando a que pertenci tinha mesmo meninos brancos, e tinha miúdos nascidos de pai umbundo, tchokue, kimbundo, fiote, kuanhama.

(...)

Eu sou o que é posto de lado, porque não seguiu o sangue da mãe kimbando ou o sangue do pai umbando. Também Sem Medo, também Teoria, também o Comissário, e tantos outros mais.

A imensidão do mar que nada pode modificar ensinou-me a paciência. O mar une, o mar estreita, o mar liga. Nós também temos o nosso mar interior, que não é o Kuanza, nem o Loje, nem o Kunene. O nosso mar, feito de gotas-diamante, suores e lágrimas esmagados, o nosso mar é o brilho da arma bem oleada que faísca no meio da verdura do Mayombe, lançando fulgurações de diamante ao sol da Lunda.

PEPETELA. Mayombe. Rio de Janeiro: Leya, 2013, p. 119-121.

A estrutura narrativa de Mayombe é um dos aspectos que singularizam o romance de Pepetela. A esse respeito, o fragmento em questão manifesta


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