XXIV

O que nós vemos das coisas são as coisas.

Porque veríamos nós uma coisa se houvesse outra?

Porque é que ver e ouvir seriam iludirmo-nos

Se ver e ouvir são ver e ouvir?

O essencial é saber ver,

Saber ver sem estar a pensar,

Saber ver quando se vê,

E nem pensar quando se vê,

Nem ver quando se pensa.

Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!),

Isso exige um estudo profundo,

Uma aprendizagem de desaprender

E uma sequestração na liberdade daquele convento

De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas

E as flores as penitentes convictas de um só dia,

Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas

Nem as flores senão flores,

Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.

PESSOA, Fernando. Poesia completa de Alberto Caeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p.49.

Segundo Alberto Caeiro, no poema XXIV de O guardador de rebanhos,