PUC-SP 2020 - Questões

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Um boi vê os homens

Tão delicados (mais que um arbusto) e correm e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos de alguma coisa. Certamente falta-lhes não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves, até sinistros. Coitados, dir-se-ia não escutam nem o canto do ar nem os segredos do feno, como também parecem não enxergar o que é visível e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes e no rasto da tristeza chegam à crueldade. Toda a expressão deles mora nos olhos — e perde-se a um simples baixar de cílios, a uma sombra. Nada nos pelos, nos extremos de inconcebível fragilidade, e como neles há pouca montanha, e que secura e que reentrâncias e que impossibilidade de se organizarem em formas calmas, permanentes e necessárias. Têm, talvez, certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem perdoar a agitação incômoda e o translúcido vazio interior que os torna tão pobres e carecidos de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme (que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no campo como pedras aflitas e queimam a erva e a água, e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 1991, p. 25-26.

A respeito do poema de Drummond, é possível afirmar que o boi


EU, O NARRADOR, SOU MUATIÂNVUA.

(...)

Onde eu nasci, havia homens de todas as línguas vivendo nas casas comuns e miseráveis da Companhia. Onde eu cresci, no Bairro Benfica, em Benguela, havia homens de todas as línguas, sofrendo as mesmas amarguras. O primeiro bando a que pertenci tinha mesmo meninos brancos, e tinha miúdos nascidos de pai umbundo, tchokue, kimbundo, fiote, kuanhama.

(...)

Eu sou o que é posto de lado, porque não seguiu o sangue da mãe kimbando ou o sangue do pai umbando. Também Sem Medo, também Teoria, também o Comissário, e tantos outros mais.

A imensidão do mar que nada pode modificar ensinou-me a paciência. O mar une, o mar estreita, o mar liga. Nós também temos o nosso mar interior, que não é o Kuanza, nem o Loje, nem o Kunene. O nosso mar, feito de gotas-diamante, suores e lágrimas esmagados, o nosso mar é o brilho da arma bem oleada que faísca no meio da verdura do Mayombe, lançando fulgurações de diamante ao sol da Lunda.

PEPETELA. Mayombe. Rio de Janeiro: Leya, 2013, p. 119-121.

Com base em sua leitura do fragmento e em seus conhecimentos sobre o romance Mayombe, analise as seguintes afirmações a respeito do guerrilheiro Muatiânvua, personagem da obra:

  1. I. Condena o tribalismo, comportamento manifesto por vários dos guerrilheiros comandados por Sem Medo, apesar de ter vivenciado a experiência tribal quando criança, na época em que participou de seu “primeiro bando”.

  2. II. Sente-se marginalizado, pois, assim como Sem Medo e outros companheiros de luta, não assumiu lealdade a uma tribo, mantendo-se fiel aos ideais marxistas que orientam os guerrilheiros do MPLA.

  3. III. Apesar das tensões geradas pelo tribalismo, considera a luta pela independência de Angola um propósito capaz de aplacar as diferenças entre os guerrilheiros de seu grupo.

São verdadeiras as afirmações:


Leia o fragmento a seguir, extraído de “Corpo fechado”, narrativa de Sagarana, de João Guimarães Rosa e responda.

E, a que horas a Bela seria procurada pela Fera, não se podia saber.

Mas, de fato, cartas dadas, a história começa mesmo é aqui. Porque: era uma vez um pedreiro Antonico das Pedras ou Antonico das Águas, que tinha alma de pajé; e tinha também uma sela mexicana, encostada por falta de animal, e cobiçava ainda a Beija-Fulô, a qual, mesmo sendo nhata, custara um conto e trezentos, na baixa, e era o grande amor do meu amigo Manuel Fulô. Pois o Antônio curandeiro-feiticeiro, apesar de meu concorrente, lá me entrou de repente em casa, exigindo o Manuel Fulô a um canto — para assunto secretíssimo.

ROSA, João Guimarães. Ficção completa. Vol 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017, p. 260.

O “assunto secretíssimo” entre Manuel Fulô e Antônio das Pedras diz respeito


Leia o fragmento a seguir, extraído do capítulo IV de Iracema, lenda do Ceará e responda.

O maior chefe da nação tabajara, Irapuã, descera do alto da serra Ibiapaba, para levar as tribos do sertão contra o inimigo pitiguara. Os guerreiros do vale festejam a vinda do chefe e o próximo combate.

O mancebo cristão viu longe o clarão da festa; passou além e olhou o céu azul sem nuvens. A estrela morta que então brilhava sobre a cúpula da floresta guiou seu passo firme para as frescas margens do rio das garças.

Quando ele transmontou o vale e ia penetrar na mata, surgiu o vulto de Iracema. A virgem seguira o estrangeiro como a brisa sutil que resvala sem murmurejar por entre a ramagem.

— Por que, disse ela, o estrangeiro abandona a cabana hospedeira sem levar o presente da volta? Quem fez mal ao guerreiro branco na terra dos tabajaras?

O cristão sentiu quanto era justa a queixa e achou-se ingrato.

— Ninguém fez mal ao teu hóspede, filha de Araquém. Era o desejo de ver seus amigos que o afastava dos campos dos tabajaras. Não levava o presente da volta; mas leva em sua alma a lembrança de Iracema.

— Se a lembrança de Iracema estivesse n’alma do estrangeiro, ela não o deixaria partir. O vento não leva a areia da várzea, quando a areia bebe a água da chuva.

ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. Cotia: Ateliê Editorial, 2006, p.111-112.

A respeito dos cenários em que transcorrem as ações de Iracema, é CORRETO afirmar que, no fragmento em questão, José de Alencar


Tecnologia pode tirar ciências humanas da Idade Média, diz Pierre Lévy

Raphael Hernandes

Folha de S.Paulo, 10 de setembro de 2019. Caderno Ilustrada, p. C6

SÃO PAULO – Quando Pierre Lévy, 63, começou a escrever sobre cibercultura, a internet era mato. O filósofo é dos pioneiros a tratar da relação entre sociedade e computador. Para ele, as ciências humanas precisam passar por uma revolução, como passaram as naturais, e a tecnologia é a chave para atingir um “patamar mínimo”. “Nas humanidades ainda estamos na Idade Média.”

“Em vez de desenvolver máquinas inteligentes, deveríamos usar os computadores para nos tornar mais inteligentes”, diz. O filósofo quer reorganizar o conhecimento. Trabalha numa linguagem que faria humanos conversarem com máquinas sem o intermédio da programação. Em 2020, deve lançar um livro explicando a gramática dessa língua (sem data e editora definidos).

Lévy nasceu na Tunísia, mas desenvolveu carreira na França. Ele falou à Folha antes de vir ao Brasil, onde participa do Fronteiras do Pensamento, em Salvador, nesta terça-feira (10), com ingressos esgotados.

  • Pergunta 1: Vivemos em um mundo conectado. O que isso muda para a sociedade?

    A chegada de computadores pessoais, depois, a internet, o smartphone e por aí vai, transformam o sistema de comunicação da nossa sociedade.

    Em nosso novo sistema de comunicação toda informação é acessível e onipresente. As pessoas estão interconectadas, o que é ainda mais importante. E temos robôs capazes de automaticamente

    transformar símbolos, como fazer traduções ou cálculos estatísticos. Isso é novo. Aconteceu em

    apenas 20 ou 30 anos. É muito difícil pensar no que serão as implicações dessa mudança na comunicação, estamos só no começo dessa nova civilização.

  • Pergunta 2: O que é inteligência coletiva?

    É algo muito velho, de antes da espécie humana. Abelhas acumulam mel para si e para a comunidade. Formigas conseguem sinalizar onde estão as coisas boas para comer. Comunicação, coordenação e colaboração entre animais sociais é frequente. Isso é ainda mais forte entre mamíferos e primatas.

    Temos essa inteligência coletiva, mas temos algo que os outros animais não têm: linguagem.

    Ela permite que acumulemos conhecimento de geração para geração, e serve para criar novas formas

    de coordenar e cooperar, mais complexas do que no mundo animal.

    Cada vez que somos capazes de fortalecer nossa habilidade linguística, agora, com a comunicação

    digital, aumentamos a inteligência coletiva.

    É quase o oposto de inteligência artificial. Não sou contra, mas o objetivo geral deveria ser inteligência coletiva.

    Há muita memória em comum à disposição. Podemos aumentá-la [com o conteúdo disponível digitalmente]. Podemos aumentar nossa habilidade de coordenar e colaborar, por exemplo, pelo uso

    de redes sociais. Não só para o público geral, mas também para empresas, governos.

  • Pergunta 3: Inteligência coletiva está amarrada à internet?

    A biblioteca era a forma antiga de memória coletiva. A internet é a nova forma. Em vez de ter palavras escritas em papel, você tem códigos que não são totalmente materiais, mas que têm que estar em um computador em algum lugar. Falta habilidade e educação para tirar o melhor disso.

  • Pergunta 4: E o que seria tirar o melhor dessas possibilidades?

    Você tem de aprender a controlar ou gerenciar sua atenção. Precisa poder categorizar dados corretamente, avaliar a confiança que pode dar a fontes de informação, ser capaz de comparar

    diferentes fontes. E aprender a se comportar numa inteligência coletiva para trabalhar com outros

    a fim de transformar todos esses dados em conhecimento.

  • Pergunta 5: E onde entra o big data?

    É a nova forma de memória. Hoje, temos toda a realidade representada por um mar de dados. Tudo

    gera dados. Agora, há o problema de o que faremos com isso e como extraímos conhecimento

    o que a gente precise. Precisamos categorizar todos os dados com hipóteses, modelos causais e estatística para testar nossas hipóteses.

    É uma reprodução do método científico, mas para todos. É só o começo da transformação de dados

    em conhecimento.

  • Pergunta 6: E onde a linguagem artificial IEML (sigla em inglês para Metalinguagem da Economia

    da Informação) se encaixa?

    IEML é uma língua, que tem a característica de ter semântica computável e de ter significado unívoco.

    Hoje, os algoritmos são capazes de entender a linguagem natural, mas só com cálculos estatísticos.

    Com IEML o significado é acessível e pode ser usado como sistema semântico universal. Ele faria a

    análise de big data e a extração de conhecimento de dados muito mais fácil do que quando os dados estão categorizados em linguagem natural. Porque línguas naturais são irregulares e diversas.

  • Pergunta 7: Uma linguagem para fazer a conexão entre humanos e máquinas?

    Exatamente. Criada para ser uma linguagem que máquinas podem entender. Mas pode ser traduzida

    em línguas naturais para que humanos entendam, diferente de uma linguagem de programação.

    A grande revolução científica que está na nossa frente é nas ciências humanas. Já fizemos a revolução

    das ciências naturais, mas para as humanidades estamos na Idade Média. É só por meio do uso

    dos dados que estão disponíveis, com todo o poder computacional e usando ferramentas como IEML para categorizar os dados, e expressar fatos e teorias de forma rigorosa, que poderíamos alcançar um

    patamar mínimo no tratamento científico das humanidades.

  • Pergunta 8: Como o sr. vê o futuro dessa sociedade digital e conectada?

    Duas coisas não vão acontecer. Primeiro, todo problema ser resolvido pela tecnologia. Isso nunca vai acontecer. Sempre vão surgir novos problemas. A segunda é que robôs não vão assumir o poder. É simplesmente impossível. Nossa civilização vai evoluir de forma que é difícil de prever.

Os três parágrafos iniciais da matéria jornalística de Raphael Hernandes têm a função de


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