PUC-SP 2019 Português - Questões
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XLV
Um $\text{renque}^1$ de árvores lá longe, lá para a encosta.
Mas o que é um renque de árvores? Há árvores apenas.
Renque e o plural árvores não são cousas, são nomes.
Tristes das almas humanas, que põem tudo em ordem,
Que traçam linhas de cousa a cousa.
Que põem letreiros com nomes nas árvores absolutamente reais,
E desenham paralelos de latitude e longitude
Sobre a própria terra inocente e mais verde e florida do que isso!
(PESSOA, Fernando. Poesia completa de Alberto Caeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p.71)
Vocabulário: $\ ^1$renque: fileira
No poema XLV, de O guardador de rebanhos, a natureza singular da poesia de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, é evidenciada pela:
Foi quase logo que eu cheguei no Calango-Frito, foi logo que eu me cheguei aos bambus. Os grandes $\text{colmos}^1\ \text{jaldes}^2$, envernizados, lisíssimos, pediam autógrafo; e alguém já gravara, a canivete ou ponta de faca, letras enormes, enchendo um entrenó:
“Teus olho tão singular
Dessas trançinhas tão preta
Qero morer eim teus braço
Ai fermosa marieta.”
E eu, que vinha vivendo o visto mas vivando estrelas, e tinha um lápis na algibeira, escrevi também, logo abaixo:
Sargon
Assarhaddon
Assurbanipal
Teglattphalasar, Salmanassar
Nabonid, Nabopalassar, Nabucodonosor
Belsazar
Sanekherib
E era para mim um poema esse rol de reis leoninos, agora despojados da vontade $\text{sanhuda}^3$ e só representados na poesia. Não pelos cilindros de ouro e pedras, postos sobre as reais $\text{comas}^4\ \text{riçadas}^5$, nem pelas alargadas barbas, entremeadas de fios de ouro. Só, só por causa dos nomes. Sim, que, à parte o sentido $\text{prisco}^6$, valia o ileso gume do vocábulo pouco visto e menos ainda ouvido, raramente usado, melhor fora se jamais usado.
((ROSA, João Guimarães. Ficção completa. Vol 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017, p. 223-224))
Vocabulário:
$\ ^1\text{colmo}:$ caule.
$\ ^2\text{jalde}:$ cor amarelo-ouro.
$\ ^3\text{sanhuda}:$ terrível.
$\ ^4\text{comas}:$ cabelos.
$\ ^5\text{riçadas}:$ crespas.
$\ ^6\text{prisco}:$ antigo.
A leitura do fragmento em questão – no qual o narrador-personagem relata uma de suas disputas poéticas com Quem-Será – permite afirmar que
Foi quase logo que eu cheguei no Calango-Frito, foi logo que eu me cheguei aos bambus. Os grandes $\text{colmos}^1\ \text{jaldes}^2$, envernizados, lisíssimos, pediam autógrafo; e alguém já gravara, a canivete ou ponta de faca, letras enormes, enchendo um entrenó:
“Teus olho tão singular
Dessas trançinhas tão preta
Qero morer eim teus braço
Ai fermosa marieta.”
E eu, que vinha vivendo o visto mas vivando estrelas, e tinha um lápis na algibeira, escrevi também, logo abaixo:
Sargon
Assarhaddon
Assurbanipal
Teglattphalasar, Salmanassar
Nabonid, Nabopalassar, Nabucodonosor
Belsazar
Sanekherib
E era para mim um poema esse rol de reis leoninos, agora despojados da vontade $\text{sanhuda}^3$ e só representados na poesia. Não pelos cilindros de ouro e pedras, postos sobre as reais $\text{comas}^4\ \text{riçadas}^5$, nem pelas alargadas barbas, entremeadas de fios de ouro. Só, só por causa dos nomes. Sim, que, à parte o sentido $\text{prisco}^6$, valia o ileso gume do vocábulo pouco visto e menos ainda ouvido, raramente usado, melhor fora se jamais usado.
((ROSA, João Guimarães. Ficção completa. Vol 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017, p. 223-224))
Vocabulário:
$\ ^1\text{colmo}:$ caule.
$\ ^2\text{jalde}:$ cor amarelo-ouro.
$\ ^3\text{sanhuda}:$ terrível.
$\ ^4\text{comas}:$ cabelos.
$\ ^5\text{riçadas}:$ crespas.
$\ ^6\text{prisco}:$ antigo.
Dentre os aspectos que caracterizam a prosa de João Guimarães Rosa em Sagarana, destaca-se, no fragmento em questão,
A virgem estremeceu. O guerreiro cravou nela o olhar abrasado:
— O coração aqui no peito de Irapuã ficou tigre. Pulou de raiva. Veio farejando a presa. O estrangeiro está no bosque, e Iracema o acompanhava. Quero beber-lhe o sangue todo: quando o sangue do guerreiro branco correr nas veias do chefe tabajara, talvez o ame a filha de Araquém.
A pupila negra da virgem cintilou na treva, e de seu lábio borbulhou, como gota do leite cáustico da $\text{eufórbia}^1$, um sorriso de desprezo:
— Nunca Iracema daria seu seio, que o espírito de Tupã habita só, ao guerreiro mais vil dos guerreiros tabajaras! Torpe é o morcego porque foge da luz e bebe o sangue da vítima adormecida!
— Filha de Araquém, não assanha o jaguar! O nome de Irapuã voa mais longe que o $\text{guaná}^2$ do lago, quando sente a chuva além das serras. Que o guerreiro branco venha e o seio de Iracema se abra para o vencedor.
— O guerreiro branco é hóspede de Araquém. A paz o trouxe aos campos do Ipu, a paz o guarda. Quem ofender o estrangeiro, ofende o Pajé.
(ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. Cotia: Ateliê Editorial, 2006. p. 122)
Vocabulário:
$\ ^1\text{eufórbia:}$ planta venenosa.
$\ ^2\text{guaná:}$ espécie de ave.
Considerando seus conhecimentos a respeito do romance Iracema e sua leitura do fragmento em questão, é possível afirmar que, nesta cena,
A virgem estremeceu. O guerreiro cravou nela o olhar abrasado:
— O coração aqui no peito de Irapuã ficou tigre. Pulou de raiva. Veio farejando a presa. O estrangeiro está no bosque, e Iracema o acompanhava. Quero beber-lhe o sangue todo: quando o sangue do guerreiro branco correr nas veias do chefe tabajara, talvez o ame a filha de Araquém.
A pupila negra da virgem cintilou na treva, e de seu lábio borbulhou, como gota do leite cáustico da $\text{eufórbia}^1$, um sorriso de desprezo:
— Nunca Iracema daria seu seio, que o espírito de Tupã habita só, ao guerreiro mais vil dos guerreiros tabajaras! Torpe é o morcego porque foge da luz e bebe o sangue da vítima adormecida!
— Filha de Araquém, não assanha o jaguar! O nome de Irapuã voa mais longe que o $\text{guaná}^2$ do lago, quando sente a chuva além das serras. Que o guerreiro branco venha e o seio de Iracema se abra para o vencedor.
— O guerreiro branco é hóspede de Araquém. A paz o trouxe aos campos do Ipu, a paz o guarda. Quem ofender o estrangeiro, ofende o Pajé.
(ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. Cotia: Ateliê Editorial, 2006. p. 122)
Vocabulário:
$\ ^1\text{eufórbia:}$ planta venenosa.
$\ ^2\text{guaná:}$ espécie de ave.
Dentre os procedimentos formais adotados por José de Alencar para imprimir poeticidade à narrativa de Iracema, destaca-se, no fragmento em questão, o emprego de figuras como:
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