Leia o fragmento do conto “A fogueira”, de Mia Couto,

O velho adormeceu, a mulher sentou-se à porta. Na sombra do seu descanso viu o sol vazar, lento rei das luzes. Pensou no dia e riu-se dos contrários: ela, cujo nascimento faltara nas datas, tinha já o seu fim marcado. Quando a lua começou a acender as árvores do mato ela inclinou-se e adormeceu. Sonhou dali para muito longe: vieram os filhos, os mortos e os vivos, a machamba encheu-se de produtos, os olhos a escorregarem no verde. O velho estava no centro, gravatado, contando as histórias, mentira quase todas.

Estavam ali os todos, os filhos e os netos. Estava ali a vida a continuar-se, grávida de promessas. Naquela roda feliz, todos acreditavam na verdade dos velhos, todos tinham sempre razão, nenhuma mãe abria a sua carne para a morte. Os ruídos da manhã foram-na chamando para fora de si, ela negando abandonar aquele sonho, pediu com tanta devoção como pedira à vida que não lhe roubasse os filhos.

Procurou na penumbra o braço do marido para acrescentar força naquela tremura que sentia. Quando a sua mão encontrou o corpo do companheiro viu que estava frio, tão frio que parecia que, desta vez, ele adormecera longe dessa fogueira que ninguém nunca acendera.

(Adaptado de: COUTO, Mia. A fogueira. In: Vozes anoitecidas. São Paulo, Companhia das Letras, 2013. p. 25).

Sobre a linguagem utilizada no texto, considere as afirmativas a seguir.

  1. I. O termo “vazar” está em desacordo com a linguagem formal apresentada ao longo do conto.

  2. II. O significado do termo “machamba” consta do glossário da edição brasileira, pois está vinculado à linguagem coloquial do português falado no Brasil.

  3. III. O termo “gravatado” indica o vestuário do marido, sem que isso signifique formalidade na linguagem empregada pelo narrador.

  4. IV. A expressão “os todos” foi usada para enfatizar a presença, naquele momento, das pessoas que ela mais amava.

Assinale a alternativa correta.