Escurece, e não me seduz

tatear sequer uma lâmpada.

Pois que aprouve ao dia findar,

aceito a noite.

E com ela aceito que brote

uma ordem outra de seres

e coisas não figuradas.

Braços cruzados.

Vazio de quanto amávamos,

mais vasto é o céu. Povoações

surgem do vácuo.

Habito alguma?

E nem destaco minha pele

da confluente escuridão.

Um fim unânime concentra-se

e pousa no ar. Hesitando.

E aquele agressivo espírito

que o dia carreia consigo,

já não oprime. Assim a paz,

destroçada.

Vai durar mil anos, ou

extinguir-se na cor do galo?

Esta rosa é definitiva,

ainda que pobre.

Imaginação, falsa demente,

já te desprezo. E tu, palavra.

No mundo, perene trânsito,

calamo-nos.

E sem alma, corpo, és suave.

(Claro enigma, 2012.)

*aprazer: causar ou sentir prazer; contentar(-se).

*carrear: carregar.

O pronome “te”, empregado no segundo verso da última estrofe, refere-se a