O amigo da onça
(19)A Onça, que é bicho valente - mas nem sempre atilado, como se pensa – , estava quietinha (48)no seu canto(49), quando lhe apareceu o compadre Lobo(20) e lhe foi dizendo:– Saiba de uma coisa, comadre Onça: você - com perdão da palavra - não é, como supõe, (78)(58)o bicho mais valente e destemido que existe no mundo(59)(79), nem também o Leão, com toda a (50)sua prosa(51) de rei dos animais.
(98)(09) – Como assim! – gritou a Onça, enfurecida(99). – Então, como é isso, grande pedaço de idiota? (60)(29)Haverá bicho mais valente e (38)poderoso do que eu?(10)(39)(61)
O Lobo, adoçando a voz, respondeu:
(82)(21) – Ó comadre, me perdoe(83). (68)Estou arrependido de dizer tal coisa(69) ... (84)Mas a (52)minha intenção (53)foi preveni-la contra um bicho terrível(85) que apareceu nesta paragem(22). Uma pessoa prevenida vale por duas.
(11) – Sim, não deixa você de ter alguma razão – (70)(30)acudiu a Onça(31) mais acomodada(71). – Mas sempre quero saber o nome desse bicho. Como se chama?(12)
(23) – Esse bicho, comadre, chama-se homem, conforme me disse o amigo papagaio. (100)(80)Nunca vi em minha vida animal de mais perigosa valentia(81)(101). Ele sim, e ninguém mais, é o que me parece ser mesmo o verdadeiro rei dos animais. Basta dizer que, de longe, (92)(32)o vi matar(33), com dois espirros, nada menos do que um leão e uma hiena(24)(93). Ih! Comadre, com o estrondo dos espirros parecia que tudo ia pelos ares. (86)Deus nos livre!(87)
(34) – Oh! Compadre, não me diga!(35)
– É como lhe conto. (40)E o que mais admira ê ser(41) o bicho-homem de pequeno porte. (72)Parece até fraco(73), e é (96)muito mal servido de unhas e dentes(97). (102)Deve ser um bicho misterioso e encantado(103).
(13) – Pois bem, compadre, (74)estou curiosa(75), e desejo que, sem demora, me conduza ao (88)lugar onde se encontra tão estranho animal.(14)(89)
(25)– Ah, comadre, peça-me tudo, menos isso. Pelos estragos que, de longe, vi o homem fazer com seus malditos espirros, nunca me atreveria a tal aventura ...(26)
– Pois queira ou não queira, tem de mostrar-me o bicho, ou então, agora mesmo perderá a vida.(16)
– Lã por isso não seja - disse o Lobo amedrontado.- Iremos. (62)(01)Mas havemos de tomar todas as precauções(02)(63). Eu -com a sua licença - posso correr mais do que a comadre. Assim, levaremos uma embira daquelas que não arrebentam nunca. (104)Amarro uma das pontas no pescoço da comadre e (105) a outra em minha cintura. Em caso de perigo, se for preciso fugir, a comadre e eu corremos.
(17)- Fugir! (42)Veja lá o que diz(43)! Você já viu, (54)seu podrela(55), alguma vez onça fugir?(18)
(90) – Não me expliquei bem(91). (44)Eu é que fugirei(45). (94)A comadre será apenas arrastada por mim(95). Isso não é fugir. Está certo?
– Está bem. Faremos como propõe.
(36)E partiram(37). A Onça com a embira atada ao pescoço, e o Lobo, muito respeitoso e tímido, a puxá-la.
(106)(27)(03)Quando chegaram ao destino(04)(107), o bicho-homem, surpreendido ao avistá-los, tirou da cinta a garrucha, e, atarantado, bateu fogo(28), isto é, espirrou, uma, duas vezes, que foi mesmo um estrondo de todos os diabos.
O Lobo então mais que depressa disparou numa corrida desabalada, redobrando quanto podia as forças para arrastar a Onça pela forte embira que (64)tinha atado no (56)pescoço dela(57)(65).
De repente, já muito distante, o Lobo sentiu que (76)a Onça estava mais pesada(77). Parou então e contemplou a companheira estendida no chão, com os dentes arreganhados, sem o mais leve movimento.
O Lobo, (46)sem perceber que a (66)Onça havia(47) morrido enforcada(67) no laço da embira - antes pensando que estivesse apenas cansada – , disse-lhe, (05)tremendo como varas verdes(06)
– He lã, comadre! Não ri não (07)que o negócio ê sério!(08)
(GOMES, Lindolfo. In: Os 100 melhores contos de humor da literatura universal. Org. Flávio Moreira da Costa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 522-3.)
Assinale a opção que reproduz uma fala autoritária, dominadora.