A coragem (...) só se torna uma virtude (11) quando a serviço de outrem ou de uma causa geral e generosa. Como traço de caráter, a coragem é, sobretudo, uma fraca sensibilidade ao medo, seja por ele ser pouco sentido, seja por ser bem suportado, ou até provocar prazer. É a coragem dos estouvados, dos brigões ou dos impávidos (08), a coragem dos “durões”, como se diz em nossos filmes policiais, e todos sabem que a virtude (02) pode não ter nada a ver com ela.

Isso quer dizer que ela (01) é, do ponto de vista moral, totalmente indiferente? Não é tão simples assim. Mesmo numa situação em que eu (03) agiria apenas por egoísmo (09), pode-se estimar que a ação generosa (18) (por exemplo, o combate contra um agressor, em vez da súplica) manifestará maior domínio, maior dignidade (12), maior liberdade (13), qualidades (14) moralmente significativas e que darão à coragem, como que por retroação, algo (05) de seu valor: sem ser sempre moral, em sua essência, a coragem é aquilo sem o que, não há dúvida, qualquer moral seria impossível ou sem efeito. Alguém (04) que se entregasse totalmente ao medo que lugar poderia deixar aos seus deveres? (...) O medo é egoísta. A covardia é egoísta. (...) Como virtude, ao contrário, a coragem supõe sempre uma forma de desinteresse (07) (16), de altruísmo (07) (10) ou de generosidade (07) (15). Ela não exclui, sem dúvida, uma certa insensibilidade (17) ao medo, até mesmo um gosto por ele. Mas não os (06) supõe necessariamente. Essa coragem não é a ausência do medo, é a capacidade de superá-lo, quando ele existe, por uma vontade mais forte e mais generosa. Já não é (ou já não é apenas) fisiologia, é força de alma, diante do perigo. Já não é uma paixão, é uma virtude, é a condição de todas. Já não é a coragem dos durões, é a coragem dos doces, e dos heróis.

André Comte-Sponville. Pequeno tratado das grandes virtudes. p. 55 a 57. (Adaptado.)

Neste fragmento, o autor pretende esclarecer ao leitor que