A flor e a náusea
Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
[...]
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Para responder à questão, considerar as afirmativas sobre o poema:
I) A preocupação social, presente em “A flor e a náusea”, representa uma das principais características da produção poética de Carlos Drummond de Andrade, especialmente no que se refere às obras Sentimento do mundo, José e A rosa do povo.
II) No poema, podemos perceber o paradoxo que traduz a vida moderna, através do contraste entre o desenvolvimento urbano e a solidão dos homens.
III) Os apelos do mundo do consumo, provenientes do desenvolvimento das relações capitalistas nos grandes centros urbanos, ficam evidenciados no terceiro verso: “Melancolias, mercadorias espreitam-me”.
IV) A presença de vocábulos como “vomitar”, “feia”, “enjoo”, “fezes” é indicativa de que o poema de Drummond traz marcantes características da lírica moderna ocidental, que fez do feio objeto estético.
As afirmativas corretas são: