Sentamo-nos sobre a relva coberta de flores e à borda de um pequeno tanque natural, cujas águas límpidas espelhavam a doce serenidade do céu azul.

(...)

Deixei cair algumas pedras no tanque. Não sei que impressão triste faz sobre o espírito a plácida imobilidade da onda, que desafia o homem a quebrar a quietude da natureza. Os olhos acompanham então com uma indefinível satisfação os círculos concêntricos que surgem à tona e vão-se dilatando até correr nas margens do lago.

Ia atirar uma nova pedra, quando Lúcia, que eu supunha ocupada com o seu trabalho, reclinou-se para mim, de mãos juntas, e disse-me com uma voz angustiada:

— Não! Coitadinha! Tenha pena dela!

Encarei com Lúcia: seu rosto traía uma aflição profunda. De surpreso, deixei cair a pedra.

— Oh! Como deve sofrer! balbuciou ela mostrando-me com a mão trêmula a água que se toldava* e enegrecia.

— Que é isto? Em que estás pensando, Lúcia? disse apertando-lhe as mãos com força.

Volveu para mim os olhos vagos; contemplou-me um instante e riu:

— Uma loucura! ... Não sei como me veio semelhante ideia! Vendo esta água tão clara toldar-se de repente, pareceu-me que via minha alma; e acreditei que ela sofria, como eu quando os sentidos perturbam a doce serenidade de minha vida.

(...)

— É isto! Veja! A lama deste tanque é meu corpo: enquanto a deixam no fundo e em repouso, a água está pura e límpida!

Acredite ou não, Lúcia acabava de me revelar naquela imagem simples um fenômeno psicológico que eu nunca teria suspeitado.

* toldar-se: tornar-se turvo, barrento

Na obra Lucíola, da qual se extraiu o texto, José de Alencar conta a história de