Três teses sobre o avanço da febre amarela

Como a febre amarela rompeu os limites da Floresta Amazônica e alcançou o Sudeste, atingindo

os grandes centros urbanos? A partir do ano passado, o número de casos da doença alcançou

níveis sem precedentes nos últimos cinquenta anos. Desde o início de 2017, foram confirmados

779 casos, 262 deles resultando em mortes. ¹Trata-se do maior surto da forma silvestre da doença

já registrado no país. Outros 435 registros ainda estão sob investigação.

Como tudo começou? Os navios portugueses vindos da África nos séculos XVII e XVIII não

trouxeram ao Brasil somente escravos e mercadorias. Dois inimigos silenciosos vieram junto: o

vírus da febre amarela e o mosquito Aedes aegypti. ²A consequência foi uma série de surtos de

febre amarela urbana no Brasil, com milhares de mortos. Por volta de 1940, a febre amarela urbana

foi erradicada. Mas o vírus migrou, pelo trânsito de pessoas infectadas, para zonas de floresta na

região Amazônica. No início dos anos 2000, a febre amarela ressurgiu em áreas da Mata Atlântica.

Três teses tentam explicar o fenômeno.

Segundo o professor Aloísio Falqueto, da Universidade Federal do Espírito Santo, “uma pessoa

pegou o vírus na Amazônia e entrou na Mata Atlântica depois, possivelmente na altura de Montes

Claros, em Minas Gerais, onde surgiram casos de macacos e pessoas infectadas”. O vírus teria

se espalhado porque os primatas da mata eram vulneráveis: como o vírus desaparece da região

na década de 1940, não desenvolveram anticorpos. Logo os macacos passaram a ser mortos por

seres humanos que temem contrair a doença. O massacre desses bichos, porém, é um “tiro no

pé”, o que faz crescer a chance de contaminação de pessoas. ³Sem primatas para picar na copa das

árvores, os mosquitos procuram sangue humano.

De acordo com o pesquisador Ricardo Lourenço, do Instituto Oswaldo Cruz, os mosquitos

transmissores da doença se deslocaram do Norte para o Sudeste, voando ao longo de rios e

corredores de mata. Estima-se que um mosquito seja capaz de voar 3 km por dia. Tanto o homem

quanto o macaco, quando picados, só carregam o vírus da febre amarela por cerca de três dias.

Depois disso, o organismo produz anticorpos. Em cerca de dez dias, primatas e humanos ou

morrem ou se curam, tornando-se imunes à doença.

Para o infectologista Eduardo Massad, professor da Universidade de São Paulo, o rompimento

da barragem da Samarco, em Mariana (MG), em 2015, teve papel relevante na disseminação

acelerada da doença no Sudeste. A destruição do habitat natural de diferentes espécies teria

reduzido significativamente os predadores naturais dos mosquitos. A tragédia ambiental ainda

teria afetado o sistema imunológico dos macacos, tornando-os mais suscetíveis ao vírus.

Por que é importante determinar a “viagem” do vírus? Basicamente, para orientar as campanhas

de vacinação. Em 2014, Eduardo Massad elaborou um plano de imunização depois que 11

pessoas morreram vítimas de febre amarela em Botucatu (SP): “Eu fiz cálculos matemáticos

para determinar qual seria a proporção da população nas áreas não vacinadas que deveria ser

imunizada, considerando os riscos de efeitos adversos da vacina. Infelizmente, a Secretaria de

Saúde não adotou essa estratégia. Os casos acontecem exatamente nas áreas onde eu havia

recomendado a vacinação. A Secretaria está correndo atrás do prejuízo”. Desde julho de 2017,

mais de 100 pessoas foram contaminadas em São Paulo e mais de 40 morreram.

O Ministério da Saúde afirmou em nota que, desde 2016, os estados e municípios vêm sendo

orientados para a necessidade de intensificar as medidas de prevenção. A orientação é que

pessoas em áreas de risco se vacinem.

(NATHALIA PASSARINHO. Adaptado de bbc.com, 06/02/2018.)

Para apresentação das teses que explicam o avanço da febre amarela, a autora do texto recorre, principalmente, à seguinte estratégia: