Violência e psiquiatria

O tipo de violência que aqui considerarei pouco tem a ver com pessoas que utilizam martelos para

golpear a cabeça de outras, nem se aproximará muito do que se supõe façam os doentes mentais.

Se se quer falar de violência em psiquiatria, a violência que brada, que se proclama em tão alta

voz que raramente é ouvida, é a sutil, tortuosa violência perpetrada pelos outros, pelos “sadios”,

contra os rotulados de “loucos”. Na medida em que a psiquiatria representa os interesses ou

pretensos interesses dos sadios, podemos descobrir que, de fato, ¹a violência em psiquiatria é

sobretudo a violência da psiquiatria.

Quem são porém as pessoas sadias? Como se definem a si próprias? As definições de saúde mental

propostas pelos especialistas ou estabelecem a necessidade do conformismo a um conjunto de

normas sociais arbitrariamente pressupostas, ou são tão convenientemente gerais – como, por

exemplo, “a capacidade de tolerar conflitos” – que deixam de fazer sentido. Fica-se com a

lamentável reflexão de que os sadios serão, talvez, todos aqueles que não seriam admitidos na

enfermaria de observação psiquiátrica. Ou seja, eles se definem pela ausência de certa experiência.

Sabe-se, porém, que os nazistas asfixiaram com gás dezenas de milhares de doentes mentais,

assim como dezenas de milhares de outros tiveram seus cérebros mutilados ou danificados

por sucessivas séries de choques elétricos: suas personalidades foram deformadas, de modo

sistemático, pela institucionalização psiquiátrica. Como podem fatos tão concretos emergir na

base de uma ausência, de uma negatividade – a compulsiva não loucura dos sadios? De fato,

²toda a área de definição de sanidade mental e loucura é tão confusa, e os que se arriscam

dentro dela são tão aterrorizados pela ideia do que possam encontrar, não só nos “outros”

como também em si mesmos, que se deve considerar seriamente a renúncia ao projeto.

(DAVID COOPER. Adaptado de Psiquiatria e antipsiquiatria. São Paulo: Perspectiva, 1967.)

Ao final do texto “Violência e psiquiatria” (ref. 2), David Cooper introduz um comentário a respeito da fronteira entre sanidade e loucura.

Esse comentário dialoga com questão fundamental de “O alienista”, de Machado de Assis, apresentada no seguinte trecho: