TEXTO 3

(...) Minutos depois, já sozinhos, o médico foi sentar-se ao lado da mulher, o rapazinho estrábico dormitava num canto do sofá, o cão das lágrimas, deitado, com o focinho sobre as patas dianteiras, abria e fechava os olhos de vez em quando para mostrar que continuava vigilante, pela janela aberta, apesar da altura a que estava o andar, entrava o rumor das vozes alteradas, as ruas deviam estar cheias de gente, a multidão a gritar uma só palavra, Vejo, diziam-na os que já tinham recuperado a vista, diziam-na os que de repente a recuperavam, Vejo, vejo, em verdade começa a parecer uma história doutro mundo aquela em que se disse, Estou cego. (...) Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem (1).

A mulher do médico levantou-se e foi à janela. Olhou para baixo, para a rua coberta de lixo, para as pessoas que gritavam e cantavam. Depois levantou a cabeça para o céu e viu-o todo branco, Chegou a minha vez, pensou. O medo súbito fê-la baixar os olhos. A cidade ainda ali estava.

(JOSÉ SARAMAGO. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.)

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara. (epígrafe do livro)

Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem. (1)

Os fragmentos acima sintetizam a temática do romance de José Saramago. A epígrafe apresenta uma recomendação por meio de uma gradação de verbos com sentidos relacionados à visão. Nessa gradação, o verbo reparar assume duplo sentido.

Aponte esses dois sentidos. Em seguida, reescreva o trecho Cegos que, vendo, não veem, substituindo apenas a oração reduzida por uma oração desenvolvida em que o conectivo empregado explicite o paradoxo presente na fala do médico.