TEXTO 1
MORTE E VIDA SEVERINA (AUTO DE NATAL PERNAMBUCANO)
O retirante explica ao leitor quem é e a que vai
– O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
(JOÃO CABRAL DE MELO NETO. Morte e vida severina e outros poemas em voz alta. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980.)
TEXTO 2
Ao oferecer-se para ajudar o cego, o homem que depois roubou o carro não tinha em mira, nesse momento preciso, qualquer intenção malévola, muito pelo contrário, o que ele fez não foi mais que obedecer àqueles sentimentos de generosidade e altruísmo que são, como toda a gente sabe, duas das melhores características do gênero humano, podendo ser encontradas até em criminosos bem mais empedernidos do que este, simples ladrãozeco (1) de automóveis sem esperança de avanço na carreira, explorado pelos verdadeiros donos do negócio, que esses é que se vão aproveitando das necessidades de quem é pobre. (...) Foi só quando já estava perto da casa do cego que a ideia se lhe apresentou com toda a naturalidade (...). Os cépticos acerca da natureza humana, que são muitos e teimosos, vêm sustentando que se é certo que a ocasião nem sempre faz o ladrão, também é certo que o ajuda muito. Quanto a nós, permitir-nos-emos pensar que se o cego tivesse aceitado o segundo oferecimento do afinal falso samaritano (2), naquele derradeiro instante em que a bondade ainda poderia ter prevalecido, referimo-nos o oferecimento de lhe ficar a fazer companhia enquanto a mulher não chegasse, quem sabe se o efeito da responsabilidade moral resultante da confiança assim outorgada não teria inibido a tentação criminosa e feito vir ao de cima o que de luminoso e nobre sempre será possível encontrar mesmo nas almas mais perdidas.
(JOSÉ SARAMAGO. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.)
Tanto no poema Morte e vida severina quanto no romance Ensaio sobre a cegueira, por perspectivas diferentes, encontra-se uma crítica à sociedade que torna os homens indistintos em situações de adversidade.
Indique o processo de nomeação das personagens, empregado em cada obra, responsável pelo efeito de tornar os homens indistintos entre si.
Em seguida, transcreva do texto dois exemplos de construções sintáticas diferentes utilizadas pelo retirante para tentar identificar a si mesmo.