Olho as minhas mãos

Olho as minhas mãos: elas só não são estranhas

Porque são minhas. Mas é tão esquisito distendê-las

Assim, lentamente, como essas anêmonas do fundo do mar...

Fechá-las, de repente,

Os dedos como pétalas carnívoras!

Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável do tempo,

Que me sustenta, e mata, e que vai secretando o pensamento

Como tecem as teias as aranhas.

A que mundo

Pertenço?

No mundo há pedras, baobás, panteras,

Águas cantarolantes, o vento ventando

E no alto as nuvens improvisando sem cessar.

Mas nada, disso tudo, diz: “existo”.

Porque apenas existem...

Enquanto isto,

O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses

E, cheios de esperança e medo,

Oficiamos rituais, inventamos

Palavras mágicas,

Fazemos

Poemas, pobres poemas

Que o vento

Mistura, confunde e dispersa no ar...

Nem na estrela do céu nem na estrela do mar

Foi este o fim da Criação!

Mas, então,

Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos?

Quem faz – em mim – esta interrogação?

(QUINTANA, Mário. Apontamentos de história sobrenatural. Porto Alegre: Globo, 1984.)

Vocabulário:

baobá – árvore comum em regiões secas, rica em reservas de água.

Além de funcionar como elemento de ligação entre termos de mesmo valor, o conectivo e foi utilizado no texto, algumas vezes, para exprimir o efeito de aceleração contínua.

Esse conectivo foi empregado para produzir tal efeito em: