Lóri, pela primeira vez na sua vida, sentiu uma força que mais parecia uma ameaça contra o que ela fora até então. Ela então falou sua alma para Ulisses:

- Um dia será o mundo com sua impersonalidade soberba versus a minha extrema individualidade de pessoa mas seremos um só (5).

Olhou para Ulisses com a humildade que de repente sentia e viu com surpresa a surpresa dele. Só então ela se surpreendeu consigo própria (1). Os dois se olharam em silêncio (2). Ela parecia pedir socorro contra o que de algum modo involuntariamente dissera. E ele com os olhos miúdos quis que ela não fugisse (3) e falou:

- Repita o que você disse, Lóri.

- Não sei mais.

- Mas eu sei, eu vou saber sempre (4). Você literalmente disse: um dia será o mundo com sua impersonalidade soberba versus a minha extrema individualidade de pessoa mas seremos um só.

- Sim.

Lóri estava suavemente espantada. Então isso era a felicidade. De início se sentiu vazia. Depois seus olhos ficaram úmidos: era felicidade, mas como sou mortal, como o amor pelo mundo me transcende. O amor pela vida mortal a assassinava docemente, aos poucos. E o que é que eu faço? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda, que já está começando a me doer como uma angústia, como um grande silêncio de espaços? A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta. Não, não quero ser feliz. Prefiro a mediocridade. Ah, milhares de pessoas não têm coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz e preferem a mediocridade. Ela se despediu de Ulisses quase correndo: ele era o perigo (6).

(LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.)

- Um dia será o mundo com sua impersonalidade soberba versus a minha extrema individualidade de pessoa mas seremos um só. (5)

Nessa declaração, o discurso da personagem se estrutura a partir de um raciocínio que pode ser caracterizado como: