Carlos estava homem (1). Sem que se amedrontasse, assuntou a noite envelhecer. Só reparou no vagar dela. Muito sereno, porém apressado.

Aos poucos se apagaram as bulhas da casa, vinte e três horas (6). Se irritou com a impaciência chegando, que o fazia banzar pelo quarto assim, e lhe dava sensação do prisioneiro que espera o minuto pra fugir. Puxa! Coração aos priscos . A calma era exterior (2). Não. O coração também se fatigou e sentou. Carlos também sentou (3). Cruzou os braços pra não mexer tanto assim, disposto a esperar com paciência. Tomou o cuidado de pôr o braço esquerdo sobre o outro, que assim o relógio ficava à mostra na munheca.

E os minutos se acabando, tardonhos. Aliás nem tinha pressa mais (4), o aproximar da aventura lhe apaziguava as ardências (7). Resfriado. Qualquer coisa lhe tirava o calor dos dedos... Se lembrou de vestir pijama limpo, fez. Depois pensou. Não tinha propósito trocar de pijama só porque (8). (...) Vestiu outra vez o pijama usado e se reconciliou consigo, já confiante.

E outra vez se sentou. Olhava a imobilidade dos ponteiros que lhe abririam a porta de Fräulein. Que o entregariam a Fräulein. Uma comoção doce, quase filial esquentou Carlos novamente. E porque amava sem temor nem pensamento, sem gozo, apenas por instinto e por amor, por gozo, iria se entregar. Está certo. Carlos amava com paixão.

A imobilidade é a sala de espera do sono. Procurou ler e cochilou. Vinte e três e trinta, se ergueu. Caceteação esperar! Também o momento estava estourando por aí, graças a Deus! Sentou na cama. Mais vinte e sete minutos. Vinte e seis... Vinte e cinco... Vinte e... Nos braços cruzados sobre a guarda da cama, a cabeça dele pousou.

A posição incômoda acordou Carlos. Espreguiçou, empurrando com as mãos a dor do corpo, sentado por quê? Ah! Lembrança viva enxota qualquer sono. Hora e meia! Desejo furioso subiu. Sem reflexão, sem vergonha da fraqueza, corre pra porta de Fräulein (9). Fechada! Bate. Bate forte, com risco de acordar os outros, bate até a porta se abrir, entra.

Aqui devem se trocar naturalmente umas primeiras frases de explicação – se ele der espaço para tanto entre os dois! – porém obedeço a várias razões que obrigam-me a não contar a cena do quarto (5).

(ANDRADE, Mário de. Amar, verbo intransitivo. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Itatiaia, 2002.)

Glossário:

sons

meditar

saltos

lentos

em alemão, forma de tratamento para "senhorita"

Amar, verbo intransitivo nos fala sobre a iniciação amorosa do adolescente Carlos por sua preceptora, Fraulein Elza, contratada pelo pai do rapaz para tal tarefa.

No texto, a passagem que melhor resume as mudanças ocorridas no jovem em virtude da descoberta do amor é: