UM BOI VÊ OS HOMENS

Tão delicados (mais que um arbusto) e correm

e correm de um para outro lado, sempre esquecidos

de alguma coisa. Certamente, falta-lhes

não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres

e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves,

até sinistros. Coitados, dir-se-ia que não escutam

nem o canto do ar nem os segredos do feno,

como também parecem não enxergar o que é visível

e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes

e no rasto da tristeza chegam à crueldade.

Toda a expressão deles mora nos olhos — e perde-se

a um simples baixar de cílios, a uma sombra.

Nada nos pelos, nos extremos de inconcebível fragilidade,

e como neles há pouca montanha,

e que secura e que reentrâncias e que

impossibilidade de se organizarem em formas calmas,

permanentes e necessárias. Têm, talvez,

certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem

perdoar a agitação incômoda e o translúcido

vazio interior que os torna tão pobres e carecidos

de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme

(que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no campo

como pedras aflitas e queimam a erva e a água,

e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião: 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977.)

O boi - o eu poético declarado no título - apresenta sua visão sobre os homens e a eles se refere como “coitados”, expressando uma atitude de superioridade que enfatiza, ao longo do texto, a fragilidade humana. O fragmento em que essa fragilidade dos homens está explicitamente demonstrada pelo eu poético é