Poema de Finados

Amanhã que é dia dos mortos

Vai ao cemitério. Vai

E procura entre as sepulturas

A sepultura de meu pai.

Leva três rosas bem bonitas.

Ajoelha e reza uma oração.

Não pelo pai, mas pelo filho:

O filho tem mais precisão.

O que resta de mim na vida

É a amargura do que sofri.

Pois nada quero, nada espero.

E em verdade estou morto ali.

(Manuel Bandeira)

Versos a um coveiro

Numerar sepulturas e carneiros,

Reduzir carnes podres a algarismos,

Tal é, sem complicados silogismos,

A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos

Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,

Na progressão dos números inteiros

A gênese de todos os abismos!

Oh! Pitágoras da última aritmética,

Continua a contar na paz ascética

Dos tábidos carneiros sepulcrais

Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,

Porque, infinita como os próprios números

A tua conta não acaba mais!

(Augusto dos Anjos)

Vocabulário:

Carneiros - criptas, subterrâneos sepulcrais

Fúlgidos - brilhantes

Ascética - próprio do asceta, de quem se entrega a práticas espirituais, levando vida contemplativa

Tábitos - pobres, corruptos

Tíbias - ossos que constituem a perna

Rádios - ossos que constituem o antebraço

úmeros - ossos que vão do cotovelo ao ombro

Pai contra mãe (fragmento)

Houve aqui luta, porque a escrava, gemendo, arrastava-se a si e ao filho. Quem passava ou estava à porta de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia (4). Arminda ia alegando que o senhor era muito mau, e provavelmente a castigaria com açoutes, - cousa que, no estado em que ela estava, seria pior de sentir. Com certeza, ele lhe mandaria dar açoutes.

– Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois? perguntou Cândido Neves.

Não estava em maré de riso, por causa do filho que lá ficara na farmácia, à espera dele (2). Também é certo que não costumava dizer grandes cousas. Foi arrastando a escrava pela Rua dos Ourives, em direção à da Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina desta a luta cresceu; a escrava pôs os pês à parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que devera (3). Chegou, enfim, arrastada, desesperada, arquejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas em vão. O senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumor.

– Aqui está a fujona, disse Cândido Neves.

– é ela mesma.

– Meu senhor!

– Anda, entra... (5)

Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem mil-réis de gratificação. Cândido Neves guardou as duas notas de cinquenta mil-réis, enquanto o senhor novamente dizia à escrava que entrasse. No chão, onde jazia, levada do medo e da dor, e após algum tempo de luta a escrava abortou (1).

O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono.

(Machado de Assis)

É correto afirmar que em “Versos a um coveiro”: