Morreu Peri, incomparável idealização dum homem natural como o sonhava Rousseau (3), protótipo de tantas perfeições humanas que no romance, ombro a ombro com altos tipos civilizados, a todos sobreleva em beleza d’alma e corpo (5).

Contrapôs-lhe a cruel etnologia dos sertanistas modernos um selvagem real, feio e brutesco (6), anguloso e desinteressante, tão incapaz, muscularmente, de arrancar uma palmeira, como incapaz, moralmente, de amar Ceci.

[...]

Não morreu, todavia.

Evoluiu.

O indianismo está de novo a deitar copa, de nome mudado. Crismouse de “caboclismo”. O cocar de penas de arara passou a chapéu de palha rebatido à testa; a ocara virou rancho de sapé; o tacape afilou, criou gatilho, deitou ouvido e é hoje espingarda trochada; o boré descaiu lamentavelmente para pio de inambu; a tanga ascendeu a camisa aberta ao peito.

Mas o substrato psíquico não mudou: orgulho indomável, independência, fidalguia, coragem, virilidade heroica (2), todo o recheio, em suma, sem faltar uma azeitona, dos Peris e Ubirajaras.

Este setembrino rebrotar duma arte morta inda se não desbagoou de todos os frutos. Terá o seu “I Juca Pirama”, o seu “Canto do Piaga” e talvez dê ópera lírica.

[...]

Porque a verdade nua manda dizer que entre as raças de variado matiz, formadoras da nacionalidade e metidas entre o estrangeiro recente e o aborígene de tabuinha do beiço, uma existe a vegetar de cócoras, incapaz de evolução (4), impenetrável ao progresso. Feia e sorna, nada a põe de pé (1).

(Monteiro Lobato, “Urupês”.)

Vocabulário:

boré: trombeta de bambu usada pelos índios.

inambu: ave desprovida completamente ou quase completamente de cauda.

ocara: choupana de índios do Brasil.

sorna: indolente, inerte.

trochada: cano de espingarda que foi torcido para tornar-se reforçado.

Tendo como base o recorte do conto “Urupês”, pode-se afirmar que é condizente com a personagem criada por Monteiro Lobato APENAS o fragmento a seguir: