[MACK 2006] 01 Fabiano curou no rasto a bichei...

15 MACK 2006 - Português

01 Fabiano curou no rasto a bicheira da novilha raposa. Levava no

02 aió um frasco de creolina, e, se houvesse achado o animal, teria feito

03 o curativo ordinário. Não o encontrou, mas supôs distinguir as

04 pisadas dele na areia, baixou-se, cruzou dois gravetos no chão e

05 rezou. Se o bicho não estivesse morto, voltaria para o curral, que a

06 oração era forte.

07 Cumprida a obrigação, Fabiano levantou-se com a consciência

08 tranqüila e marchou para casa.

Graciliano Ramos - Vidas secas

Obs.: rastro = rastro.

aió = bolsa de caça trançada com fibras de uma planta (caroá ou gravatá).

Sobre a obra de que se retirou o fragmento, é correto o seguinte comentário crítico:

Nela se manifesta o realismo crítico do autor, ao narrar a história do migrante nordestino cujo ciclo de necessidades é rompido ao final, pela recompensa das grandes perdas sofridas.

Seu aparecimento renovou a compreensão de que os conteúdos psicológicos só têm consistência na obra quando a linguagem explora mais a sonoridade do que o sentido das palavras, o que, como ocorre nesse texto, suprime as fronteiras entre narrativa e lírica.

Expressão do “ciclo da cana-de-açúcar”, a obra registra a transição do engenho para a usina, relatada sob a perspectiva das recordações da infância e da adolescência, responsável pela carga afetiva que nela se evidencia.

É a narração, que se quer objetiva, da modéstia dos meios de vida do nordestino, registrada numa forma sóbria, sem excessos, como o é a existência do homem retratado.

Ao retratar o desencontro entre o universo do ter e o universo do ser, a narrativa aborda também o desencontro no plano afetivo, com o protagonista abalado pelo suicídio da mulher que a sua violência destruíra.