Capítulo 1

De como Itaguai ganhou uma casa de Orates

01 As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos

02 vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza

03 da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas.

04 Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou

05 ao Brasil, não podendo el-rei alcançar dele que ficasse em Coimbra,

06 regendo a universidade, ou em Lisboa, expedindo os negócios da

07 monarquia.

08 — A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único;

09 Itaguaí é o meu universo.

10 Dito isso, meteu-se em Itaguaí, e entregou-se de corpo e alma ao

11 estudo da ciência [...]. Foi então que um dos recantos desta [da

12 medicina] lhe chamou especialmente a atenção, — o recanto psíquico,

13 o exame da patologia cerebral. Não havia na colônia, e ainda no

14 reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal explorada ou

15 quase inexplorada. Simão Bacamarte compreendeu que a ciência

16 lusitana, e particularmente a brasileira, podia cobrir-se de “louros

17 imarcescíveis”, — expressão usada por ele mesmo, mas em um

18 arroubo de intimidade doméstica; exteriormente era modesto,

19 segundo convém aos sabedores.

Machado de Assis - O alienista

Obs.: orate = indivíduo louco.

imarcescível = que não murcha.

No fragmento transcrito,