O poema abaixo, de Carlos Drummond de Andrade, pertence ao livro A rosa do povo (1945), que reúne composições escritas na época da Segunda Guerra Mundial e da ditadura do Estado Novo no Brasil:

Passagem da Noite

É noite. Sinto que é noite

não porque a sombra descesse

(bem me importa a face negra)

mas porque dentro de mim,

no fundo de mim, o grito

se calou, fez-se desânimo.

Sinto que nós somos noite,

que palpitamos no escuro

e em noite nos dissolvemos.

Sinto que é noite no vento,

noite nas águas, na pedra.

E que adianta uma lâmpada?

E que adianta uma voz?

É noite no meu amigo.

É noite no submarino.

É noite na roça grande.

É noite, não é morte, é

de sono espesso e sem

Não é dor, nem paz, é noite,

é perfeitamente a noite.

Mas salve, olhar de alegria!

E salve, dia que surge!

Os corpos saltam do sono,

o mundo se recompõe.

Que gozo na bicicleta!

Existir: seja como for.

A fraterna entrega do pão.

Amar: mesmo nas canções.

De novo andar: as distâncias,

as cores, posse das ruas.

Tudo que à noite perdemos

se nos confia outra vez.

Obrigado, coisas fiéis!

Saber que ainda há florestas,

sinos, palavras; que a terra

prossegue seu giro, e o tempo

noite não murchou; não nos diluímos!

praia. Chupar o gosto do dia!

Clara manhã, obrigado,

o essencial é viver!

  1. a) Explique o sentido metafórico da noite e o uso do verbo sentir, na 1 estrofe.

  2. b) Explique o sentido metafórico do dia e o sentimento a ele associado, na 2a estrofe.