Leia o seguinte poema de João Cabral de Melo Neto.
O QUE SE DIZ AO EDITOR
A PROPÓSITO DE POEMAS
Eis mais um livro (fio que o último) de um incurável pernambucano; se programam ainda publicá-lo,
digam-me, que com pouco o embalsamo.
E preciso logo embalsamá-lo: enquanto ele me conviva, vivo, está sujeito a cortes, enxertos:
terminará amputado do fígado,
terminará ganhando outro pâncreas; e se o pulmão não pode outro estilo (esta dicção de tosse e gagueira),
esgota, vivo em mim, livro-umbigo.
Poema nenhum se autonomiza no primeiro ditar-se, esboçado, nem no construí-lo, nem no passar-se
a limpo do datilografá-lo.
Um poema é o que há de mais instável: ele se multiplica e divide, se pratica as quatro operações
enquanto em nós e de nós existe.
Um poema é sempre, como um câncer: que química, cobalto, indivíduo parou os pés desse potro solto?
Só o mumificá-lo, pô-lo em livro.
Considere as afirmações que seguem sobre o poema.
I. O poeta solicita ao editor que o poema venha a ser publicado para que seja interrompida a convivênciaentre autor e obra, ao que o editor se recusa por considerar que o poema deve ser mais bem trabalhado.
II. O poema não encontra sua forma nem no processo de construção nem na reprodução datilográfica; na sua instabilidade, o poema multiplica-se ou divide-se enquanto estiver ligado a quem produz poesia.
III. O poema sofre os efeitos da química e do cobalto, que aumentam a instabilidade da obra, enquanto a mumificação em livro dispersa os versos entre os leitores.
Quais estão corretas?