A deterioração (15) dos centros urbanos tomou conta dos noticiários. A cidade é a demência. A cidade é a selva. Mas a televisão sempre oferece compensações (16) e, para aliviar o show do caos urbano (2) , ela exibe o idílio da vida campestre (7) . É assim que, na ficção e na publicidade, reina o videobucolismo (1) , esse gênero de fantasia (8) em que a grama não tem formiga, as cobras não têm veneno e as mulheres não têm vergonha (11) . Chinelos, cigarros, margarinas e cartões de crédito (9) buscam os cenários de praias vazias, fazendas inocentes (24) e montanhas íngremes (10) para aumentar sua promessa de gozo. E há também caminhonetes enormes, as tais off-road, que se anunciam rodando sobre escarpas, pântanos e rochas cortantes (25) . A felicidade mora longe do asfalto (3) .
Mas é curioso: essa mesma fabricação imaginária (6) que santifica a natureza contribui para agravar ainda mais a selvageria nas cidades. (12) Basta observar. Transeuntes se trajam como quem vai enfrentar o mato, os bichos, o desconhecido (21) . Relógios de mergulhadores (17) são ostentados por garotos que mal sabem ver as horas (13) ; botas de vaqueiro, próprias para pisar currais (4) , freqüentam cerimônias de casamento (22) ; fardas (20) militares de guerrilheiros amazônicos passeiam pelos shoppings. No trânsito, jipes brucutus viraram a última moda. Com pneus gigantescos e agressivos do lado de fora, e estofamento (18) de couro do lado de dentro, são uma versão sobre quatro rodas dos condomínios fechados. Em breve, começarão a circular com pára-choques de arame farpado.
A distância entre um motorista de vidros lacrados (5) e o mendigo que pede esmola no sinal vermelho é maior do que a distância entre aquele e as trilhas agrestes das novelas e dos comerciais. Nas ruas esburacadas das metrópoles (19) , ele talvez se sinta escalando falésias. No coração desses dois homens, que se olham sem se ver através dessa estranha televisão que é o vidro de um carro, a cidade embrutecida é a pior de todas as selvas. (14)
(BUCCI, Eugênio. Cidades dementes. Veja, 2 de julho, 1997, p.17.)
A construção essa mesma fabricação imaginária (6) retoma várias expressões do parágrafo anterior. Esse não é o caso de