AOS VÍCIOS
Gregório de Matos Guerra
Eu sou aquele que os passados anos
Cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos.
E bem que os descantei bastantemente,
Canto segunda vez na mesma lira
O mesmo assunto em plectro diferente.
(...)
O néscio, o ignorante, o inexperto,
Que não elege o bom, nem o mau reprova,
Por tudo passa deslumbrado e incerto.
E quando vê talvez na doce trova
Louvado o bem, e o mal vituperado,
A tudo faz focinho, e nada aprova.
Diz logo prudentaço e repousado:
- Fulano é um satírico, é um louco,
De língua má, de coração danado.
Néscio, de disso entendes nada ou pouco,
Como mofas com riso e algazarras
Musas, que estimo ter, quando as invoco.
Se souberas falar, também falaras;
Também satirizaras, se souberas,
E se foras poeta, poetizaras.
A ignorância dos homens destas eras
Sisudos faz ser uns, outros prudentes,
Que a mudez canoniza bestas-feras.
(...)
SONETO II
Cláudio Manuel da Costa
Leia a posteridade, ó pátrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado,
Por que vejas uma hora despertado
O sono vil do esquecimento frio:
Não vês nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um álamo copado;
Não vês Ninfa cantar, pastar o gado
Na tarde clara do calmoso estio.
Turvo banhado as pálidas areias
Nas porções do riquíssimo tesouro
O vasto campo da ambição recreias.
Que de seus raios o Planeta louro,
Enriquecendo o influxo em tuas veias,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.
O néscio e ignorante a que Gregório se refere