Brasi de Cima e Brasi de Baxo

[...]

Inquanto o Brasi de Cima

Fala de transformação,

Industra, matéra prima,

Descobertas e invenção,

No Brasi de Baxo isiste

O drama penoso e triste

Da negra necissidade;

É uma cousa sem jeito

E o povo não tem dereito

Nem de dizê a verdade.

No Brasi de Baxo eu vejo

Nas ponta das pobre rua

O descontente cortejo

De criança quage nua.

Vai um grupo de garoto

Faminto, doente e roto

Mode caçá o que comê

Onde os carro põe o lixo,

Como se eles fosse bicho

Sem direito de vivê.

Estas pequenas pessoa,

Estes fio do abandono,

Que veve vagando à toa

Como objeto sem dono,

De manêra que horroriza,

Deitado pela marquiza,

Dromindo aqui e aculá

No mais penoso relaxo,

É deste Brasi de Baxo

A crasse dos marginá.

Meu Brasi de Baxo, amigo,

Pra onde é que você vai?

Nesta vida do mendigo

Que não tem mãe nem tem pai?

Não se afrija, nem se afobe,

O que com o tempo sobe,

O tempo mesmo derruba;

Tarvez ainda aconteça

Que o Brasi de Cima desça

E o Brasi de Baxo suba.

Sofre o povo privação

Mas não pode recramá,

Ispondo suas razão

Nas coluna do jorná.

Mas, tudo na vida passa,

Antes que a grande desgraça

Deste povo que padece

Se istenda, cresça e redrobe,

O Brasi de Baxo sobe

E o Brasi de Cima desce.

Brasi de Baxo subindo,

Vai havê transformação

Para os que veve sintindo

Abondono e sujeição.

Se acaba a dura sentença

E a liberdade de imprensa

Vai sê legá e comum,

Em vez deste grande apuro,

Todos vão tê no futuro

Um Brasi de cada um.

Brasi de paz e prazê,

De riqueza todo cheio,

Mas, que o dono do podê

Respeite o dereito aleio.

Um grande e rico país

Munto ditoso e feliz,

Um Brasi dos brasilêro,

Um Brasi de cada quá,

Um Brasi nacioná

Sem monopolo istrangêro.

(Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva). Cante lá que eu canto cá. Ed. Crato: Vozes/Fundação Pe. Ibiapina/Instituto Cultural do Cariri. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1986.)

O Discípulo de Emaús

A harmonia da sociedade somente poderá ser atingida mediante a execução de um código espiritual e moral que atenda, não só ao bem coletivo, como ao bem de cada um. A conciliação da liberdade com a autoridade é, no plano político, um dos mais importantes problemas. A extensão das possibilidades de melhoria a todos os membros da sociedade, sem distinção de raças, credos religiosos, opiniões políticas, é um dos imperativos da justiça social, bem como a apropriação pelo Estado dos instrumentos de trabalho coletivo.

(Murilo Mendes. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.)

Os dois fragmentos apresentados focalizam o mesmo tema de formas diferentes, em poesia e em prosa. Em seu poema, Patativa do Assaré reclama, entre outras coisas, da falta de liberdade sofrida pelo povo do Brasi de Baxo. No segundo período do fragmento de Murilo Mendes a mesma questão é abordada sob outro ponto de vista. Explique o que se fala nesse fragmento a respeito da liberdade.