INSTRUÇÃO: A questão se baseia numa fala de personagem de uma peça de Millôr Fernandes (1923 -) e num soneto de Antero de Quental (1842-1891).

Atriz

(Rindo forçosamente depois que os atores saem.)

Tem gente que continua achando que a vida é uma piada. Ainda bem que tem gente que pensa que a vida é uma piada. Pior é a gente que pensa que o homem é o rei da criação. Rei da criação, eu, hein? Um assassino nato, usufruidor da miséria geral - se você come, alguém está deixando de comer, a comida não dá para todos, não - de que é que ele se ri? De que se ri a hiena? Se não for atropelado ficará no desemprego, se não ficar desempregado vai pegar um enfisema, será abandonado pela mulher que ama - mas ama, hein? - , arrebentado pelos filhos - pelos pais, se for filho -, mordido de cobra ou ficará impotente. E se escapar de tudo ficará velho, senil, babando num asilo. Piada, é? Pode ser que haja vida inteligente em outro planeta, neste, positivamente, não. O homem é o câncer da Terra. Estou me repetindo? Pois é: corrompe a natureza, fura túneis, empesta o ar, emporcalha as águas, apodrece tudo onde pisa. Fique tranquilo, amigo: o desaparecimento do ser humano não fará a mínima diferença à economia do cosmos.

(Millôr Fernandes. Computa, computador, computa.3. ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1972. p. 85.)

Solemnia verba

Disse ao meu coração: Olha por quantos

Caminhos vãos andamos! Considera

Agora, desta altura fria e austera,

Os ermos que regaram nossos prantos...

Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!

E noite, onde foi luz de primavera!

Olha a teus pés o mundo e desespera

Semeador de sombras e quebrantos! –

Porém o coração, feito valente

Na escola da tortura repetida,

E no uso do penar tornado crente,

Respondeu: Desta altura vejo o Amor!

Viver não foi em vão, se é isto a vida,

Nem foi demais o desengano e a dor.

(Antero de Quental. Os sonetos completos de Antero de Quental. Porto: Livraria Portuense de Lopes, 1886. p. 119; primeira edição, disponível na internet em: http://purl.pt/122/1/P160.html)

Ao focalizar as ações dos homens na Terra, a personagem da peça de Millôr Fernandes conclui: “Pode ser que haja vida inteligente em outro planeta, neste, positivamente, não.” Explique o que quer dizer a personagem, com essa afirmação, sobre a natureza do ser humano.