Leia o texto seguinte e responda a questão

E acompanhando sua filha, D. Antônio foi ao encontro do índio que já subia a esplanada.

Peri trazia um pequeno cofo(1), tecido com extraordinária delicadeza, feito de palha muito alva, todo rendado; por entre o crivo que formavam os fios, ouviam-se uns chilidos(2) fracos e um rumor ligeiro que faziam os pequenos habitantes desse ninho gracioso.

O índio ajoelhou-se aos pés de Cecília; sem animar-se a levantar os olhos para ela, apresentou-lhe o cabaz(3) de palha; abrindo a tampa, a menina assustou-se, mas sorriu; um enxame de beija-flores esvoaçava dentro; alguns conseguiram escapar-se.

Destes um veio aninhar-se no seu seio, o outro começou a voltejar em torno de sua cabeça loura como se tomasse a sua boquinha rosada por um fruto.

A menina admirava essas avezinhas brilhantes, umas escarlates, outras azuis e verdes; mas todas de reflexos dourados e formas mimosas e delicadas!

Vendo-se esses íris(4) animados acreditava-se que a natureza os criou com um sorriso, para viverem de pólen e de mel, e para brilharem no ar como as flores na terra e as estrelas no céu.

Quando Cecília se cansou de admirá-los, tomou-os um por um, beijou-os, aqueceu-os no seio, e sentiu não ser uma flor bela e perfumada para que eles a beijassem também e esvoaçassem constantemente em torno dela.

Peri olhava e era feliz; pela primeira vez depois que a salvara, tinha sabido fazer uma coisa que trouxera um sorriso de prazer aos lábios da senhora. Entretanto, apesar dessa felicidade que sentia interiormente, era fácil de ver que o índio estava triste; ele chegou-se para D. Antônio de Mariz e disse-lhe:

- Peri vai partir.

- Ah! Disse o fidalgo, voltas aos teus campos ?

- Sim: Peri volta à terra que cobre os ossos de Ararê.

D. Antônio encheu o índio de presentes dados em seu nome e em nome de sua filha.

- Perguntai a ele por que razão parte e nos deixa, meu pai, disse Cecília.

O fidalgo traduziu a pergunta.

- Porque a senhora não precisa de Peri, e Peri deve acompanhar sua mãe e seus irmãos.

- E se a pedra quiser fazer mal à senhora, quem a defenderá? perguntou a menina sorrindo e fazendo alusão à narração do índio.

Ouvindo dos lábios de D. Antônio a pergunta, o selvagem não soube o que responder, porque lhe lembrava um pensamento que já tinha passado por seu espírito; temia que na sua ausência a menina corresse um perigo e ele não estivesse junto dela para salvá-la.

- Se a senhora manda, disse enfim, Peri fica.

(José de Alencar, O Guarani.)

Vocabulário

1. cofo- samburá, cesto feito de cipó ou de taquara, bojudo e de boca estreita, usado pelos pescadores para recolher peixes, camarões, etc.

2. chilido - chilreio agudo de pássaros novos.

3. cabaz - cesto de verga, junco, vime, etc. de variadas formas, geralmente com tampa e asa.

4. íris - certa pedra preciosa, quartzo irisado.

Considere o procedimento linguístico de referência no texto e responda:

  1. a) No 3 parágrafo do texto de Alencar, Cecília percebe que o cesto que Peri lhe dera estava repleto de beija-flores. Essas aves serão retomadas nos parágrafos 4, 5, 6 e 7 de diferentes maneiras. Indique uma forma de referência aos beija-flores em cada um desses parágrafos.

  2. b) Em contraposição ao dever-partir afirmado por Peri, Cecília faz referência a um acontecimento narrado anteriormente ao trecho aqui transcrito, no qual Peri salva-a de ser esmagada por uma grande pedra que se desprendera da encosta de um morro. Que efeito essa referência desencadeia no dever de Peri e que justificativa ele apresenta para sua decisão?