A questão toma por base o poema Lisbon Revisited, do heterônimo Álvaro de Campos do poeta modernista português Fernando Pessoa (1888-1935), e a letra da canção Metamorfose Ambulante, do cantor e compositor brasileiro Raul Seixas (1945-1989).

Lisbon Revisited

(1923)

Não: não quero nada.

Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!

A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!

Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas

Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —

Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.

Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.

Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?

Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?

Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.

Assim, como sou, tenham paciência!

Vão para o diabo sem mim,

Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!

Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!

Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.

Já disse que sou sozinho!

Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —

Eterna verdade vazia e perfeita!

Ó macio Tejo ancestral e mudo,

Pequena verdade onde o céu se reflete!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!

Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...

E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

(Fernando Pessoa, Ficções do Interlúdio/4: poesias de Álvaro de Campos)

Metamorfose Ambulante

Prefiro ser essa metamorfose ambulante

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Sobre o que é o amor

Sobre que eu nem sei quem sou

Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou

Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor

Lhe tenho amor

Lhe tenho horror

Lhe faço amor

eu sou um ator...

É chato chegar a um objetivo num instante

Eu quero viver nessa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Sobre o que é o amor

Sobre que eu nem sei quem sou

Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou

Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor

Lhe tenho amor

Lhe tenho horror

Lhe faço amor

eu sou um ator...

Eu vou desdizer aquilo tudo que eu lhe disse antes

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Do que ter aquela velha velha velha velha opinião formada sobre tudo.

Do que ter aquela velha velha opinião formada sobre tudo.

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo...

(Raul Seixas, Os grandes sucessos de Raul Seixas.)

Tanto no poema de Fernando Pessoa como na canção de Raul Seixas se observa o recurso intenso às repetições. Ciente deste fato,

  1. a) Localize o verso de Metamorfose Ambulante que apresenta repetição insistente de uma mesma palavra e defina o efeito expressivo obtido pelo autor com essa repetição;

  2. b) Considerando que o advérbio não é uma das palavras mais repetidas ao longo de Lisbon Revisited, estabeleça a relação semântica que a repetição dessa palavra tem com a atitude do eu-poemático ante os padrões sociais.