Baseado em um fragmento do Sermão do Mandato, do orador barroco Antônio Vieira (1608-1697), e num trecho do poema Feliza, do poeta neoclássico Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805).

Sermão do Mandato

Começando pelo amor. O amor essencialmente é união, e naturalmente a busca: para ali pesa, para ali caminha, e só ali pára. Tudo são palavras de Platão, e de Santo Agostinho. Pois se a natureza do amor é unir, como pode ser efeito do amor o apartar? Assim é, quando o amor não é extremado e excessivo. As causas excessivamente intensas produzem efeitos contrários. A dor faz gritar; mas se é excessiva, faz emudecer: a luz faz ver; mas se é excessiva, cega: a alegria alenta e vivifica; mas se é excessiva, mata. Assim o amor: naturalmente une; mas se é excessivo, divide: Fortis est ut mors dilectio: o amor, diz Salomão, é como a morte. Como a morte, rei sábio? Como a vida, dissera eu. O amor é união de almas; a morte é separação da alma: pois se o efeito do amor é unir, e o efeito da morte é separar, como pode ser o amor semelhante à morte? O mesmo Salomão se explicou. Não fala Salomão de qualquer amor, senão do amor forte? Fortis est ut mors dilectio: e o amor forte, o amor intenso, o amor excessivo, produz efeitos contrários. E união, e produz apartamentos. Sabe-se o amor atar, e sabe-se desatar como Sansão: afetuoso, deixa-se atar; forte, rompe as ataduras. O amor sempre é amoroso; mas umas vezes é amoroso e unitivo, outras vezes amoroso e forte. Enquanto amoroso e unitivo, ajunta os extremos mais distantes: enquanto amoroso e forte, divide os extremos mais unidos.

(ANTONIO VIEIRA. Sermão do Mandato. Brasília: Editora Universidade de Brasília: São Paulo:Imprensa Oficial do Estado, 2000, p. 165-166.)

Feliza

Chamam-te gosto, Amor, chamam-te amigo

Da Natureza, que por ti se inflama;

Dizem que és dos mortais suave abrigo;

Que enjoa, e pesa a vida a quem não ama:

Mas com dura experiência eu contradigo

A falsa opinião, que um bem te chama:

Tu não és gosto, Amor, tu és tormento.

Une teus sons, ó lira, ao meu lamento.

Feliza de Sileu! Quem tal pensara

Daquela, entre as pastoras mais formosa

Que a vermelha papoila entre a seara,

Que entre as boninas a corada rosa!

Feliza por Sileu me desampara!

Oh céus! Um monstro seus carinhos goza;

Ansia cruel me esfalfa o sofrimento.

Une teus sons, ó lira, ao meu lamento.

Ingrata, que prestígio te alucina?

Que mágica ilusão te está cegando?

Que fado inevitável te domina,

Teu luminoso espírito apagando?

O vil Sileu não põe na sanfonina

Jeitosa mão, nem pinta em verso brando

Ondadas tranças, que bafeja o vento.

Une teus sons, ó lira, ao meu lamento.

(BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. Obras de Bocage. Porto: Lello & Emão, 1968, p. 685-686.)

Vieira, em seu sermão, afirma que uma mesma causa pode produzir efeitos contrários, conforme a presença ou não de determinado fator. Com base nessa constatação,

  1. A) Determine o fator que, segundo afirma Vieira, é responsável por fazer com que uma mesma causa produza efeitos contrários;

  2. B) Indique o fenômeno físico que Vieira apresenta como uma das provas do que afirma.