Tome por base um fragmento da silva À Ilha de Maré, de Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711), e o poema Ladainha, de Cassiano Ricardo (1895-1974).
À Ilha de Maré - Termo desta Cidade da Bahia
Aqui se cria o peixe regalado
Com tal sustância, e gosto preparado,
Que sem tempero algum para apetite.
Faz gostoso convite,
E se pode dizer em graça rara
Que a mesma natureza os temperara.
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As plantas sempre nela reverdecem,
E nas folhas parecem,
Desterrando do Inverno os desfavores,
Esmeraldas de Abril em seus verdores,
E delas por adorno apetecido
Faz a divina Flora seu vestido.
As fruitas se produzem copiosas,
E são tão deleitosas,
Que como junto ao mar o sítio é posto,
Lhes dá salgado o mar o sal do gosto.
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As laranjas da terra
Poucas azedas são, antes se encerra
Tal doce nestes pomos,
Que o têm clarificado nos seus gomos;
Mas as de Portugal entre alamedas
São primas dos limões, todas azedas.
Nas que chamam da China
Grande sabor se afina,
Mais que as da Europa doces, e melhores,
E têm sempre a vantagem de maiores,
E nesta maioria,
Como maiores são, têm mais valia.
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Tenho explicado as fruitas e legumes,
Que dão a Portugal muitos ciúmes;
(1) Tenho recopilado
O que o Brasil contém para invejado,
E para preferir a toda a terra,
Em si perfeitos quatro AA encerra.
Tem o primeiro A, nos arvoredos
Sempre verdes aos olhos, sempre ledos;
Tem o segundo A, nos ares puros
Na tempérie agradáveis e seguros;
Tem o terceiro A, nas águas frias,
Que refrescam o peito, e são sadias;
O quarto A, no açúcar deleitoso,
Que é do Mundo o regalo mais mimoso.
São pois os quatro AA por singulares
Arvoredos, Açúcar, Aguas, Ares.
(OLIVEIRA, Manuel Botelho de. Música do Parnasso. Rio de Janeiro: INL, 1953. Tomo I, p. 127-135.)
Ladainha
Por se tratar de uma ilha deram-lhe o nome de Ilha de Vera-Cruz.
Ilha cheia de graça
Ilha cheia de pássaros
Ilha cheia de luz.
Ilha verde onde havia
mulheres morenas e nuas
anhangás a sonhar com histórias de luas
e cantos bárbaros de pajés em poracés batendo os pés.
Depois mudaram-lhe o nome
pra Terra de Santa Cruz.
Terra cheia de graça
Terra cheia de pássaros
Terra cheia de luz.
A grande Terra girassol onde havia guerreiros de tanga
e onças ruivas deitadas à sombra das árvores mosqueadas de sol.
Mas como houvesse, em abundância,
certa madeira cor de sangue cor de brasa
e como o fogo da manhã selvagem
fosse um brasido no carvão noturno da paisagem,
e como a Terra fosse de árvores vermelhas
e se houvesse mostrado assaz gentil,
deram-lhe o nome de Brasil.
Brasil cheio de graça
Brasil cheio de pássaros
Brasil cheio de luz.
(RICARDO, Cassiano. Martim Cererê. 2 edição. Rio de Janeiro: José Olympio Editora — INL, 1972, p. 33.)
Embora o nativismo, como linha de força de uma escola literária, só tenha surgido no Brasil com o Romantismo, em períodos anteriores pode ser detectado pontualmente na pena de escritores que viveram o sentimento da pátria e o expressaram de diferentes formas e sob diferentes motivações. No Modernismo, o nativismo se torna um componente plenamente desenvolvido e assumido por mais de uma corrente. De posse destas informações, releia atentamente os dois textos e, a seguir,
a) Explique como se manifesta o sentimento nativista de Manuel Botelho de Oliveira no trecho de À Ilha de Maré;
b) Demonstre, com base em passagens de Ladainha, que Cassiano Ricardo aborda poeticamente uma fase da História do Brasil.