Em 14 de maio de 1930, um jornalista argentino compôs a seguinte crônica, referindo-se à abolição da escravidão no Brasil:

Hoje almoçando na companhia do senhor catalão cujo nome não vou dizer por razões que os leitores podem adivinhar, ele me disse:

– 13 de maio é festa nacional...

Ah! É mesmo? Continuei botando azeite na salada.

– Festa da abolição da escravatura.

– Ah, que bom.

E como o assunto não me interessava especialmente, dedicava agora minha atenção a dosar a quantidade de vinagre que colocava na verdura.

– Semana que vem fará 42 anos que foi abolida a escravidão.

Dei tamanho pulo na cadeira, que metade da vinagreira foi parar na salada...

– Como disse? – repliquei espantado.

– Sim, 42 anos, sob a regência de dona Isabel de Bragança, aconselhada por Benjamin Constant. Dona Isabel era filha de Dom Pedro II.

– Quarenta e dois anos? Não é possível...

– 13 de maio de 1888, menos 1930: 42 anos...

– Quer dizer que...

– Que qualquer negro de 50 anos que você encontrar hoje pelas ruas foi escravo até os 8 anos de idade; o negro de 60 anos, escravo até os 18 anos.

– Não será possível! O senhor deve estar enganado. Não será o ano de 1788... Olhe: acho que o senhor está enganado. Não é possível.

– Bom, se não acredita em mim, pode averiguar por aí.

(Roberto Arlt. Águas-fortes cariocas. Rio de Janeiro: Rocco, 2013. Tradução: Gustavo Pacheco.)

  1. a) Identifique e explique o estranhamento do cronista argentino.

  2. b) Aponte e explique duas características do processo de abolição da escravidão no Brasil.