Vivendo e...

Eu sabia fazer pipa e hoje não sei mais. Duvido que se hoje pegasse uma bola de gude conseguisse equilibrá-la na dobra do dedo indicador sobre a unha do polegar, quanto mais jogá-la com a que tinha quando era garoto. (...)

Juntando-se as duas mãos de um determinado jeito, com os polegares para dentro, e assoprando pelo buraquinho, tirava-se um silvo bonito que inclusive variava de tom conforme o posicionamento das mãos. Hoje não sei mais que jeito é esse. Eu sabia a de fazer cola caseira. Algo envolvendo farinha e água e na cozinha, de onde éramos expulsos sob ameaças. Hoje não sei mais. A gente começava a contar depois de ver um relâmpago e o número a que chegasse (1) quando ouvia a trovoada, multiplicado por outro número, dava a do relâmpago. Não me lembro mais dos números. (...)

Lembro o orgulho (2) com que consegui, pela primeira vez, cuspir corretamente pelo espaço adequado entre os dentes de cima e a ponta da língua de modo que o cuspe ganhasse distância e pudesse ser mirado. Com prática, conseguia-se controlar a da cusparada com uma . Era . Hoje o mesmo feito requereria de balística, e eu provavelmente só acertaria a frente da minha camisa. Outra .

Na verdade, deve-se revisar aquela antiga frase. É vivendo e ............... . Não falo daquelas coisas que deixamos de fazer (3) porque não temos mais as condições físicas e a coragem de antigamente, como subir em bonde andando - mesmo porque não há mais bondes (4) andando. Falo da sabedoria desperdiçada, das artes que nos . Algumas até úteis. Quem nunca desejou ainda ter o cuspe certeiro de garoto para acertar em algum alvo contemporâneo, bem no olho, e depois sair correndo? Eu já.

(Luís F. Veríssimo, Comédias para se ler na escola.)

A palavra que o cronista omite no título, substituindo-a por reticências, ele a emprega no último parágrafo, na posição marcada com pontilhado. Tendo em vista o contexto, conclui-se que se trata da palavra