Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados (1), não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma, tudo varia - o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia (2). Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis (3). Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua.

(João do Rio. A alma encantadora das ruas.)

Em “nas cidades, nas aldeias, nos povoados” (1) “hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia” (2) e “levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis” (3), ocorrem, respectivamente, os seguintes recursos expressivos: