Fala aos inconfidentes mortos
[1] Treva da noite, lanosa capa nos ombros curvos [4] dos altos montes aglomerados... Agora, tudo [7] jaz em silêncio: amor, inveja, ódio, inocência, [10] no imenso tempo
se estão lavando...
Grosso cascalho [13] da humana vida... Negros orgulhos, ingênua audácia, [16] e fingimentos e covardias (e covardias!) [19] vão dando voltas no imenso tempo, — à água implacável [22] do tempo imenso, rodando soltos, com sua rude
[25] miséria exposta...
Parada noite, suspensa em bruma: [28] não, não se avistam os fundos leitos... Mas, no horizonte [31] do que é memória da eternidade, referve o embate [34] de antigas horas, de antigos fatos,
de homens antigos.
[37] E aqui ficamos todos contritos, a ouvir na névoa [40] o desconforme, submerso curso dessa torrente [43] do purgatório... Quais os que tombam, em crime exaustos, [46] quais os que sobem,
purificados?
Cecília Meireles In: Romanceiro da Inconfidência Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, p 278-9
O poema Fala aos inconfidentes mortos encerra a obra Romanceiro da Inconfidência, na qual Cecília Meireles aborda o importante episódio histórico acontecido em Minas Gerais. Acerca desse poema e de aspectos a ele relacionados, julgue o item seguinte.
Apesar de o título do poema remeter a um momento histórico específico, Cecília Meireles coteja esse episódio com uma perspectiva temporal mais ampla, conforme se infere dos versos “no imenso tempo” (v. 10 e 20) e “do tempo imenso” (v.22).