Razão contra Sandice

[1] Já o leitor compreendeu que era a Razão que voltava à casa, e convidava a Sandice a sair, clamando, e com melhor jus, as palavras de Tartufo: [4] — La maison est à moi, c’est à vous d’en sortir. Mas é sestro antigo da Sandice criar amor às casas alheias, de modo que, apenas senhora de uma, dificilmente lha [7] farão despejar. É sestro; não se tira daí; há muito que lhe calejou a vergonha. Agora, se advertirmos no imenso número de casas que ocupa, umas de vez, outras durante as suas [10] estações calmosas, concluiremos que esta amável peregrina é o terror dos proprietários. No nosso caso, houve quase um distúrbio à porta do meu cérebro, porque a adventícia não [13] queria entregar a casa, e a dona não cedia da intenção de tomar o que era seu. Afinal, já a Sandice se contentava com um cantinho no sótão. [16] — Não, senhora, replicou a Razão, estou cansada de lhe ceder sótãos, cansada e experimentada, o que você quer é passar mansamente do sótão à sala de jantar, daí à de visitas e [19] ao resto. — Está bem, deixe-me ficar algum tempo mais, estou na pista de um mistério... [22] — Que mistério? — De dois, emendou a Sandice: o da vida e o da morte; peço-lhe só uns dez minutos. [25] A Razão pôs-se a rir. — Hás de ser sempre a mesma coisa... sempre a mesma coisa... sempre a mesma coisa. [28] E, dizendo isto, travou-lhe dos pulsos e arrastou-a para fora; depois entrou e fechou-se. A Sandice ainda gemeu algumas súplicas, grunhiu algumas zangas; mas desenganou-se [31] depressa, deitou a língua de fora, em ar de surriada, e foi andando...
Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ateliê, 2001, p.84-5.

Tendo como base o texto acima, de Machado de Assis, e as questões por ele suscitadas, julgue o item.

As formas verbais conotativas “gemeu” (l.29) e “grunhiu” (l.30) remetem a particularidades de processos de emissão de voz.