[1] O conto Meu Tio, o Iauaretê — publicado, em
1961, na revista Senhor, e republicado, em 1969, em Estas
Histórias — representa, a nosso ver, o estágio mais avançado [4] do experimento de Guimarães Rosa com a prosa. O conto é um longo monólogo-diálogo (o diálogo é pressuposto, pois um só protagonista pergunta e responde) de um onceiro, [7] perdido na solidão dos gerais, que recebe, em seu rancho, a visita inesperada de um viajante. Filho de pai branco e de mãe índia, o onceiro, que fora contratado por um proprietário [10] de terras para ‘desonçar’ suas propriedades, arrependido de ter matado ‘seus parentes’, passa a matar gente. A fala do onceiro é tematizada por um ‘Nhem?’ intercorrente, que é, [13] antes, um ‘Nhennhem’ — do tupi, Nhehê ou nheeng —, que significa, simplesmente, ‘falar’. Rosa cria também o verbo ‘nheengar’, de pura aclimatação tupi, e, juntando a ‘jaguaretê’ [16] — tupinismo para onça verdadeira — a terminação nhennhém, ou nhem, como se fora uma desinência verbal, forma outras palavras, para exprimir o linguajar das onças. O [19] texto fica, por assim dizer, mosqueado de nheengatu, e esses rastros que nele aparecem preparam e anunciam o momento da metamorfose (...): o tigreiro, em seu rancho encravado na [22] “jaguaretama”, enquanto conta para seu hóspede os ‘causos’ de caçada e morte, está também falando uma linguagem de onça. À medida que a história flui, tudo vai convergindo para [25] o clímax metamórfico. Este não é apresentado, mas presentificado pelo texto: o onceiro acaba, arrastado por sua narrativa, transformando-se em onça, diante dos olhos do [28] interlocutor (e dos leitores). A transfiguração se dá no momento em que a linguagem se desarticula, quebra-se em resíduos fônicos, que soam como um rugido ou um estertor, [31] pois o interlocutor virtual, tomando consciência da metamorfose, dispara contra o homem-iauaretê o revólver que mantivera engatilhado durante toda a conversa. Neste
[34] Iaueretê, não é a história que cede o primeiro plano à palavra, mas a palavra, que, ao irromper em primeiro plano, configura a personagem e a ação, desenvolvendo a história.
Haroldo de Campos. A linguagem do Iauaretê. Metalinguagem & outras metas: ensaios de teoria e crítica literária. 4.ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2010, p. 57-64 (com adaptações).

Tendo como base o texto de Haroldo de Campos e as questões por ele suscitadas, julgue o item.

Por meio do emprego da expressão “um só”, na oração “pois um só protagonista pergunta e responde” (l.5-6), o crítico ratifica o traço de “monólogo” identificado no conto.