A dupla moral e as santinhas de pau oco Durante

[1] Durante o século XIX, continuavam sem punição as

infidelidades descontínuas e transitórias por parte dos

homens casados, bem como se toleravam concubinatos de

[4 ]escravas com seus senhores. As regras do celibato eram

abertamente desrespeitadas. Embora não haja estatísticas

sobre o assunto, é de se supor que as relações extraconjugais

[7] fossem correntes. O adultério perpetuava-se como

sobrevivência de doutrinas morais tradicionais. Fazia-se

amor com a esposa quando se queria descendência; no

[10] restante do tempo, era com a outra. A fidelidade conjugal era

sempre tarefa feminina; a falta de fidelidade masculina era

vista como um mal inevitável que se havia de suportar. Era

[13] sobre a honra e a fidelidade da esposa que repousava a

perenidade do casal.

Mas seriam elas tão santinhas assim? Os amores

[16] adúlteros custavam caro para as mulheres de elite. Em 1809,

certo João Galvão Freire achou-se preso, no Rio de Janeiro,

por ter, confessadamente, matado sua mulher, D. Maria

[19] Eufrásia de Loiola. Alegando legítima “defesa da honra”,

encaminhou ao Desembargo do Paço uma petição solicitando

“seguro real para, solto, tratar de seu livramento”. A resposta

[22] dos desembargadores não deixa dúvidas sobre a tolerância

que rodeava tais tipos de crimes: “a ocasião em que este [o

marido] entrou em casa, os achou ambos, esposa e amante,

[25] deitados numa rede, o que era bastante suspeitar a perfídia e

o adultério e acender a cólera do suplicante, que, levado de

honra e brio, cometeu aquela morta em desafronta sua,

[28] julgando-se ofendido”.

Já entre mulheres de camadas desfavorecidas, a

solução era a separação. Algumas mais corajosas ou

[31] tementes a Deus declararam, em testamento, que, “por

fragilidade humana”, tiveram cópula ilícita durante o

matrimônio.

Mary Del Priory. História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005, p. 187-192 (com adaptações).

Com base no texto acima, julgue o seguinte item.

O texto descreve práticas sociais de forma generalizada. Um dos recursos utilizados pelo autor para atingir esse fim é o emprego da partícula “se” ao longo do texto com o efeito de apagamento de um sujeito óbvio, como ocorre em “bem como se toleravam” (l.3), “é de se supor” (l.6), “Fazia-se amor” (l.8-9) e “que se havia de suportar” (l.12).