[1] É somente nos tempos modernos que se passa a
pensar vida e morte como nitidamente opostas. E isso não
causa surpresa. Com a modernidade, aprofundam-se velhos
[4] dualismos e novos se instauram. Nós, “senhores e
possuidores da natureza”, como dizia René Descartes
(1596-1650), nos afastamos do mundo e dele nos
[7[ diferenciamos.
A meu ver, hoje nos encontramos numa situação
paradoxal. De um lado, testemunhamos a banalização da
[10] morte. Em nossa vida cotidiana, dela ouvimos falar e nela
falamos o tempo todo. A morte aparece como fenômeno
biológico, ao lado das outras fases da vida: o nascimento, a
[13] puberdade, a maturidade e a velhice. Ela surge como
fenômeno social, quando nos referimos a taxas de natalidade
e de mortalidade. Apresenta-se como fenômeno determinante
[16] para a demografia, na medida em que discutimos o
decréscimo ou o aumento da população em diferentes regiões
do planeta. Para a medicina, a morte se mostra como
[19] fenômeno letal, que tem de ser previsto e explicado; para o
direito, ela se enquadra como fenômeno natural, que deve
produzir documentos, como as certidões de óbito.
[22] Então, por que a morte é sempre vista como uma
espécie de escândalo? Por que ela enseja ao mesmo tempo
horror e curiosidade? É certo que a morte, esse
[25] acontecimento banal, aparece como um fato dentre outros;
um fato que o jornalista relata, o médico legista constata, o
biólogo analisa, o policial investiga. Mas, por outro lado, um
[28] fato ímpar, desmedido e incomensurável. Não podemos
deixar de constatar que a morte é um mistério; não temos
como nos proteger de seu caráter vertiginoso e
[31] desconcertante. É por isso, aliás, que tanto falamos nela e
dela tanto ouvimos falar.
Scarlett Marton. Morte como instante de vida. Internet: (com adaptações).
Julgue o próximo item tendo como referência o texto acima, o tema nele abordado e os diversos aspectos por ele suscitados.
A preocupação com a morte é recorrente nas obras de Álvares de Azevedo, Alphonsus de Guimarães, Manuel Bandeira e Cecília Meireles, e o que distingue, uns dos outros, os trabalhos poéticos desses autores é a maneira como a morte é personificada bem como, em especial, o comprometimento do eu-lírico com a irreversibilidade da morte.