[1] O cinema nunca foi totalmente mudo. Só não tinha

fala. Som, sempre teve. É quase que instintivo, natural, do

homem associar som a imagens, e vice-versa. No cinema, só

[4] imagem ou só som causava estranhamento, assim como hoje

causa-nos desconforto assistir a uma projeção muda, a não

ser que seja pelo interesse histórico. (...)

[7] Uma das conquistas do cinema sonoro foi a

descoberta do silêncio — o silêncio de quando se espera ou

se imagina uma coisa. No tempo do silencioso, ignorava-se

[10] o silêncio: havia sempre, nas salas de projeção, o pano de

boca da orquestrinha, como hoje o pano de fundo musical.

Me ocorre tudo isso ao ver Frenesi, o último filme de mestre

[13] Hitchcock, que, Deus o abençoe, não criou mofo com a

velhice. Há, neste filme, uma esquina terrivelmente

silenciosa, sem ninguém. E uma escada deserta, por onde

[16] sente-se que o silêncio vai subindo. Um truque da objetiva,

sim, mas pura magia do mestre. Aliás, o silêncio é que torna

tão impressionante — tão de outro mundo — uma rua numa

[19] tela. Que torna tão encantadoras as crianças daquelas cenas

familiares pintadas pelo velho Renoir. E, mesmo lendo-se

um romance, ouvindo-se um drama, nós o fazemos em um

[22] silêncio de almas desencarnadas, isto é, quando nos vemos

livres de nós mesmos. Esse, o milagre da arte. E, diante

disto, bem se poderia dizer que toda a arte é feita de silêncio

[25] — inclusive a música.

Mário Quintana. Poesia completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 2005, p. 558.

Tendo como referência o fragmento de texto apresentado, de Mário Quintana, julgue o próximo item.

Segundo o autor do texto, o silêncio no cinema só se tornou possível graças ao advento do cinema sonoro.