Texto I
Acompanho com assombro o que andam dizendo sobre os primeiros 500 anos do brasileiro (6). Concordo com todas as opiniões emitidas e com as minhas em primeiríssimo lugar. Tenho para mim que há dois referenciais literários para nos definir. De um lado, o produto daquilo que Gilberto Freyre chamou de casa-grande e senzala (3), o homem miscigenado, potente e tendendo a ser feliz. De outro, o Macunaíma, herói sem nenhuma definição, ou sem nenhum caráter (4) – como queria o próprio Mário de Andrade.
Fomos e seremos assim, em nossa essência, embora as circunstâncias mudem e nós mudemos com elas (8). Retomando a imagem literária, citemos a Capitu menina – e teremos como sempre a intervenção soberana de Machado de Assis.
Um rapaz da plateia me perguntou onde ficaria o homem de Guimarães Rosa – outra coordenada que nos ajuda a definir o brasileiro (5). Evidente que o universo de Rosa é sobretudo verbal, mas o homem é causa e efeito do verbo. Por isso mesmo, o personagem rosiano tem a ver com o homem de Gilberto Freyre e de Mário de Andrade. É um refugo consciente da casa-grande e da senzala, o opositor de uma e de outra, criando a sua própria vereda mas sem esquecer o ressentimento social do qual se afastou e contra o qual procura lutar (7).
É também macunaímico, pois sem definição catalogada na escala de valores culturais oriundos de sua formação racial. Nem por acaso um dos personagens mais importantes do mundo de Rosa é uma mulher que se faz passar por jagunço. Ou seja, um herói – ou heroína – sem nenhum caráter.
Tomando Gilberto Freyre como a linha vertical e Mário de Andrade como a linha horizontal de um ângulo reto, teríamos Guimarães Rosa como a hipotenusa fechando o triângulo (1). A imagem geométrica pode ser forçada, mas foi a que me veio na hora – e acho que fui entendido (2).
CONY, Carlos Heitor. Folha Ilustrada, 5º Caderno,
São Paulo, 21/04/2000, p.12.
“É um refugo consciente da casa-grande e da senzala, o opositor de uma e de outra, criando a sua própria vereda mas sem esquecer o ressentimento social do qual se afastou e contra o qual procura lutar”. (7)
A variação no emprego da preposição com o pronome o qual, no fragmento acima, deve-se a um fato linguístico de: