Lira III

Tu não verás, Marília, cem cativos

Tirarem o cascalho e a rica terra,

Ou dos cercos dos rios caudalosos,

Ou da minada serra.

Não verás separar ao hábil negro

Do pesado esmeril a grossa areia,

E já brilharem os granetes de ouro

No fundo da bateia.

Não verás derrubar os virgens matos,

Queimar as capoeiras inda novas;

Servir de adubo à terra a fértil cinza,

Lançar os grãos nas covas.

Não verás enrolar negros pacotes

Das secas folhas do cheiroso fumo;

Nem espremer entre as dentadas rodas

Da doce cana o sumo.

Verás em cima da espaçosa mesa

Altos volumes de enredados feitos;

Ver-me-ás folhear os grandes livros,

E decidir os pleitos.

Enquanto revolver os meus Consultos,

Tu me farás gostosa companhia,

Lendo os fastos da sábia, mestra História,

E os cantos da poesia.

Lerás em alta voz a imagem bela;

Eu, vendo que lhe dás o justo apreço,

Gostoso tornarei a ler de novo

O cansado processo.

Se encontrares louvada uma beleza,

Marília, não lhes invejes a ventura,

Que tens quem leve à mais remota idade

A tua formosura.

(Tomás Antônio Gonzaga, Marília de Dirceu.)

Entre as características de estilo presentes no poema, destaca-se