Talvez a nordestina já tivesse chegado à conclusão de que vida incomoda bastante, alma que não cabe bem no corpo, mesmo alma rala como a sua. Imaginava zinha, toda supersticiosa, que se por acaso viesse alguma vez a sentir um gosto bem bom de viver — se desencantaria de súbito de princesa que era e se transformaria em bicho rasteiro. Porque, por pior que fosse sua situação, não queria ser privada de si, ela queria ser ela mesma. Achava que cairia em grave castigo e até risco de morrer se tivesse gosto. Então defendia-se da morte por intermédio de um viver de menos, gastando pouco de sua vida para esta não acabar. Essa economia lhe dava alguma segurança pois, quem cai, do chão não passa.
(Clarice Lispector, A hora da estrela.)
Nesse trecho, Clarice Lispector principia a falar de Macabéa, uma nordestina que, tendo vindo de Alagoas para o Rio de Janeiro, sofre o choque social da cidade grande.
a) Tendo em vista o tema social tratado na obra A hora da estrela e, mais especificamente, o texto apresentado, o que caracteriza a escritura da autora, no tratamento desse tipo de tema?
b) Uma das características de Clarice, segundo Alfredo Bosi, é o uso da metáfora insólita. Qual delas, nesse texto, pode enquadrar-se dentro dessa característica?